“Rússia não está preparada para receber refugiados ucranianos”

"Não se podem introduzir quaisquer cotas para os refugiados, a migração deles não é econômica, e os ucranianos não concorrem com ninguém", diz Gannuchkina Foto: Reuters

"Não se podem introduzir quaisquer cotas para os refugiados, a migração deles não é econômica, e os ucranianos não concorrem com ninguém", diz Gannuchkina Foto: Reuters

Defensora dos direitos humanos indicada ao Prêmio Nobel da Paz de 2010 fala sobre asilados ucranianos na Rússia.

A presidente do comitê "Assitência civil", chefe da rede "Migração e direito" e ex-membro do Conselho Presidencial da Rússia para Assistência ao desenvolvimento de Institutos da Sociedade Civil e Direitos Humanos Svetlana Gannuchkina fala à Gazeta Russa sobre os refugiados ucranianos na Rússia, suas condições de vida e problemas.

- Qual sua estimativa sobre o número de refugiados ucranianos na Rússia hoje?

A onda mais recente de refugiados da Ucrânia é o primeiro caso desde os tempos do conflito Azerbaijão-Armênia em que o Estado [russo] se preocupa com os refugiados. Isso certamente é uma exceção positiva. Mas é preciso entender que, ao determinar uma quantidade ou divulgar quaisquer dados numéricos sobre os refugiados ucranianos, o Estado usa isso com finalidades políticas.  

O número de refugiados declarado pelo governo da Rússia, de cerca de um milhão de pessoas, certamente não corresponde à realidade. Ao estimar o número de refugiados, nós nos baseamos na quantidade de pessoas que buscaram a organização "Migração e Direito", a qual tem filiais em todas as regiões fronteiriças, em Moscou, em São Petersburgo e em outras cidades. No total, temos 45 pontos de atendimento. De acordo com os dados da nossa organização, atualmente a quantidade de refugiados já ultrapassou as 150 mil pessoas, que é um número que podemos comprovar. O decreto N° 691 de 22 de julho de 2014 do governo obriga as unidades federativas da Rússia a receberem determinado número de refugiados, baseando-se em uma quantidade geral de 150 mil. Ou seja, quando o assunto é a ação na prática, o governo declara, estranhamente, justamente a mesma quantidade que nossa organização.

- Quão simples é para os ucranianos receber o status de refugiados e asilo temporário na Rússia?

- Quase 6 mil pessoas entraram com pedidos de refúgio. Desses, apenas 113 tiveram seus pedidos deferidos. Para asilo temporário, entraram com pedido todos os 150 mil, e receberam resposta favorável 110 mil. Ainda antes desses acontecimentos trágicos, já trabalhava na Rússia uma enorme quantidade de cidadãos ucranianos. Esses também compõe as centenas de milhares de pessoas referidas pelo Estado russo. E eles não são refugiados.

- Como você poderia avaliar as condições em que se encontram hoje os refugiados?

- Hoje, cerca de 60 mil pessoas vivem em campos de refugiados. Obviamente, as condições nos campos não podem ser comparadas com as condições de uma pessoa que tem residência permanente, mas o Ministério para Situações de Emergência da Rússia provê um alto nível de organização nos campos de refugiados.

Agora, inicia-se a transferência desses. Às custas dos refugiados, a Rússia resolveu ressuscitar seu programa estatal de  migração voluntária de conterrâneos. Esse programa já falhou repetidas vezes. Ele foi modernizado, mas mesmo assim não funcionou. Enviam as pessoas, por exemplo, a Stavropol [no extremo Sul da Rússia], mas elas retornam a Rostov, já que a parte anfitriã não está preparada para lhe fornecer nem moradia, nem trabalho. As unidades federativas russas não estão preparadas para receber os refugiados da Ucrânia.

- O Estado provê ajuda financeira aos refugiados? O primeiro-ministro Dmítri Medvedev anunciou que o governo destinou quase um bilhão de rublos (aproximadamente R$ 62 milhões) para ajudar os refugiados ucranianos.

- A única coisa que sabemos em nossa organização é que os centros para onde são enviados esses cidadãos recebem 800 rublos (R$ 50) por dia por pessoa. É um uso totalmente irracional do dinheiro, porque todo ele é usado apenas na infraestrutura, e o refugiado mesmo não recebe dinheiro nem para comprar um pedaço de sabão. Além disso, essas dotações causam irritação na população local. Na cabeça dos moradores, os refugiados recebem uma soma que é maior que o salário da maioria da população local. Apesar disso, agora foi aprovada uma resolução muito boa pela qual todos os refugiados ucranianos recebem permissão de trabalho.

- Os procedimentos para recebimento de cidadania russa pelos refugiados ucranianos estão sendo simplificados, já que entre esses e os participantes do programa de migração de outros países da CEI (Comunidade dos Estados Independentes) surgem conflitos, já que os ucranianos recebem documentos, trabalho e outros benefícios sociais mais rapidamente que os outros?

- Não se podem introduzir quaisquer cotas para os refugiados, a migração deles não é econômica, e os ucranianos não concorrem com ninguém! No final de 2013, na Rússia havia ao todo 632 refugiados, e nem esses recebiam qualquer moradia ou benefício regular.

 

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