É a sensação de impunidade que dá aos adolescentes o desejo de cruzar a linha Foto: Shutterstock
O julgamento de Serguêi Gordeev, o jovem russo que matou a tiros um professor e um policial, está acontecendo esta semana em Moscou. Até alguns meses atrás, para a sociedade russa, um adolescente armado em uma escola era um personagem saído de um filme norte-americano, mas no dia 3 de fevereiro passado, um estudante da 10ª série mudou para sempre as estatísticas da delinquência adolescente na Rússia depois de entrar armado em uma escola.
Os adolescentes de hoje tentam de todas as maneiras se tornarem populares nas redes sociais. "Ninguém repara neles. Nas aulas, não dá para dar atenção a todo mundo, em casa, por causa do trabalho, os pais não os veem e eles quase nunca se comunicam diretamente e ao vivo. Mas basta você colocar na Internet um vídeo onde esteja espancando alguém para logo todo mundo começar a falar de você", explica a professora de língua e literatura russa do ensino médio, Sofia Tchernatchuk. Ela diz que para os jovens, “o principal passou a ser conseguir o maior número possível de ‘likes’, não importa de que maneira".
Esse tipo de vídeo com comportamento violento já foi oficialmente batizado de “happy slapping” (tapa feliz). Existem dezenas de vídeos do gênero na rede, e por enquanto nenhuma punição severa foi aplicada aos seus autores. Em alguns casos, foram até mesmo abertos processos criminais sob a acusação de "tentativa de homicídio", pela qual o adolescente, segundo a lei, responde a partir dos 14 anos. Na maioria das vezes, porém, o assunto termina em multa. Os investigadores são os primeiros a admitir que, na maioria dos casos, os adolescentes só levam penas de suspensão. É o que provavelmente acontecerá no recente caso do espancamento de um aposentado em Nijni Novgorod, segundo dizem no Comitê de Investigação da região. Além disso, apenas o agressor deverá ser condenado, e nada deve acontecer ao jovem que filmou tudo.
"É a sensação de impunidade que dá aos adolescentes o desejo de cruzar a linha", diz Sofia Tchernatchuk. “Por exemplo, uma colega minha foi insultada por um aluno e a direção da escola ficou do lado do garoto, sendo que a professora simplesmente se demitiu. As crianças entendem que o máximo que lhes acontece é levarem uma bronca e que na classe passam a ser heróis."
Segundo o site de buscas russo Yandex, as buscas mais populares de adolescentes na rede são os jogos e assuntos relacionados à Tecnologia de Informação. Eles se sentem atraídos pelo mundo virtual. Há muito tempo psicólogos equiparam a dependência do computador à dependência do álcool e das drogas, destacando como os mais perigosos os jogos nos quais o adolescente vê o mundo do seu herói e, passado algum tempo, começa a se identificar com ele. "A fronteira entre a realidade e o mundo virtual é apagada”, explica a diretora do departamento de psiquiatria infantil do Centro Servbski de Psiquiatria Social e Forense, Anna Portnova. “Eles sentem a vida como uma coisa temporária. Acham que tudo é reversível, como nos jogos de computador, onde basta você clicar em um botão para o nível começar novamente. Isso explica os suicídios e a violência gratuita dos adolescentes em relação aos outros. Eles não compreendem que o que estão fazendo é para sempre", diz a psiquiatra.
Culpa dos professores
Os psicólogos falam com cautela sobre o conflito de gerações. "Os pais adolescentes de hoje cresceram na década de 1990, quando os valores mais antigos já haviam sido destruídos e novos valores ainda não tinham aparecido”, diz Lídia Orlova, professora de história e ciências sociais, com 40 anos de experiência na área.
“Os pais exigem agressivamente que os professores deem aos seus filhos notas que estes não merecem. Eles fazem isso nas reuniões de pais, quando apresentam queixas ao diretor ou a instâncias superiores. Em casa dizem às crianças: ‘O professor é ruim porque lhe deu uma nota baixa’”, explica ela.
A psicóloga escolar Ekaterina Jerdeva confirma este ponto de vista: "Pais já vieram falar mais de uma vez comigo para reclamar de professores. Eles me pedem para intervir no conflito porque, supostamente, o aluno não gosta do professor e isso se reflete no seu desempenho. Mas quase sempre acontece de a criança estar enganando os outros e os pais não terem vontade nem tempo suficiente para entender o que de fato está acontecendo".
Atividades extracurriculares
Muitas vezes, o adolescente fica tempo demais sentado em frente à televisão ou ao computador por não ter mais nada para fazer. Antigamente, os alunos participavam de uma série de atividades extracurriculares, mas agora é pequeno o interesse por essas atividades. "A escola ajuda como pode: tem um psicólogo que trabalha com os adolescentes difíceis, um pedagogo e organiza excursões e passeios a museus", diz Orlova.
No ano passado, começou a funcionar em Moscou o sistema de registro eletrônico para participar de círculos culturais para jovens. Segundo o Departamento de Educação de Moscou, 264 mil participantes se registraram online, sendo que no total Moscou tem cerca de 800 mil estudantes. "Os adolescentes simplesmente têm preguiça de ir onde quer que seja depois das aulas. Na nossa escola organizam caminhadas e viagens a outras cidades. Antigamente conseguíamos formar dois ou três grupos com todos os que queriam ir. Agora mal conseguimos formar um", diz Ekaterina Jerdeva.
Segundo ela, a maior probabilidade de conseguir interessar um adolescente é com a prática de esporte. "Uma boa maneira de descarregar a agressividade acumulada é através do exercício físico. Quanto mais as crianças competirem entre elas, melhor."
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