Foto: Mikhail Mordasov
Desde que a península da Crimeia foi anexada ao território da Rússia, alguns meses atrás, a vida de seus habitantes mudou, mas as pessoas da região continuam a levar uma vida pacífica.
Enquanto isso, na aldeia de Mazanka, a apenas dez quilômetros de Simferopol - capital da Crimeia e maior cidade da península -, moram pessoas que conheceram o que é a guerra. Muitas delas conseguiram encontrar um refúgio temporário em um acampamento montado pelo Ministério das Situações de Emergência da Rússia, que abriga antigos moradores das regiões ucranianas de Donetsk e Lugansk, locais que há vários meses enfrentam o conflito entre o governo ucraniano e milícias separatistas.
"Sempre tínhamos medo"
Atualmente, mais de 800 pessoas vivem no acampamento de Mazanka, o que corresponde a metade da capacidade total do lugar, mas o fluxo de refugiados cresce a cada dia. Eles são levados para esse acampamento em grupos organizados, que chegam de ônibus do centro especial de distribuição Artek, em Simferopol. Muitas das famílias que chegam ao local têm crianças de até um ano de idade e idosos. Assustadas e confusas, as crianças agarram as mães, que tentam analisar a situação em que se encontram.
“Nossa casa fica perto da cidade de Teplogorsk. Lá houve um grande bombardeio, sempre estávamos com muito medo", diz Elmira Maltsev, uma das refugiadas, moradora da cidade de Stakhanov, na região de Lugansk.
O território que Elmira deixou é chamado pelos moradores de "Triângulo das Bermudas”. São as cidades de Stakhanov, Bryanka e Alchevsk, onde estão as fábricas do empresário ucraniano e governador da região de Dnipropetrovsk, Igor Kolomoisky.
"É por isso que a Guarda Nacional da Ucrânia protege bem esse local. Mas as próprias cidades estão quase vazias. Eu, meus dois filhos e marido decidimos deixar a cidade. Atravessamos a fronteira de Izvarino, na região de Rostov. De lá fomos para a Crimeia de ônibus e de balsa", conta ela. Elmira fala sobre sua casa como se fosse um lugar para onde ela não poderá voltar em breve, mas tem a esperança de rever um dia. "Quando saímos, eu colei fitas de papel branco nas janelas da nossa casa, como faziam na época da Segunda Guerra Mundial, para o vidro não quebrar por causa das explosões.”
"As pessoas foram embora de lá"
O campo de refugiados em Mazanka tem várias tendas grandes e um dormitório, onde além de quartos há banheiros, chuveiros e cozinha. Devido ao grande número de refugiados, nos lugares de uso comum há sempre grandes filas. Mas ninguém reclama: a fila no banheiro é melhor do que a fila de metralhadoras do outro lado da fronteira.
De acordo com estimativas da ONU, neste ano, cerca de 730 mil pessoas deixaram a Ucrânia e se mudaram para a Rússia por causa dos combates ocorridos no leste do país, e 87% dos refugiados são das regiões de Lugansk e Donetsk.
Segundo o Serviço Federal de Imigração da Rússia, atualmente no país há cerca de 2 milhões de ucranianos, 600 mil dos quais vieram do sudeste da Ucrânia, sendo que 36 mil moram em alojamentos temporários.
Atualmente foram abertos para os refugiados da Ucrânia os centros de alojamento temporário instalados em Simferopol, Sevastopol, Belgorod, Bryansk, Voronezh, Kursk, na região de São Petersburgo, Moscou e Rostov, bem como nas próprias cidades de Moscou e São Petersburgo.
Apesar de muitas casas terem sido destruídas e de algumas pessoas terem perdido parentes durante a guerra, os moradores do acampamento não perdem o otimismo. Aqui é difícil encontrar pessoas que não acreditem que cedo ou tarde a guerra termine.
“Aqui dão comida para bebês, fraldas, pasta de dentes, escovas. Ou seja, há tudo para satisfazer as primeiras necessidades”, diz Caterina Gorelkina, da cidade de Lysychansk, na região de Lugansk. “É claro que queremos voltar para casa, mas agora é impossível. Lá quase não há pessoas, a região está sendo bombardeada. Os preços para os produtos que estão disponíveis cresceram muito. No momento, as condições aqui são melhores do que lá em casa”, explica.
“Como estão nossos parentes?"
No acampamento em Mazansk, homens e mulheres vivem em locais separados. Elas moram no dormitório do Ministério das Situações de Emergência, enquanto os homens moram em tendas, no pátio do acampamento. O dormitório dispõe de grandes quartos que podem hospedar de dez a 20 pessoas. Na rua, há uma caixa de areia para crianças brincarem. Os próprios refugiados têm que fazer a limpeza e cuidar do conforto do local. No começo, os recém-chegados não conseguem aceitar esse ambiente, sentem-se desconfortáveis, mas aqueles que se acostumaram logo mergulham nas tarefas diárias junto com os outros: é preciso cozinhar, lavar a roupa, limpar as lixeiras, ajudar a instalar os novos refugiados.
Artem Mamikin, como Elmira Maltsev, é de Teplogorsk, mas levou menos tempo do que ela para se acostumar a viver na nova realidade. "Fizemos novos amigos, nos comunicamos com vizinhos. Eles nos dão apoio”, diz Artem. “Minha esposa e nosso bebê estão no hospital, então quando as pessoas souberam que somos refugiados começaram a trazer dinheiro, roupa, alimentos.”
Em diferentes partes do acampamento, de vez em quando se pode ouvir a pergunta “Como estão os nossos parentes?”. Em alguns dias não há nenhuma informação sobre os assentamentos nas áreas de combate. Pouco a pouco os refugiados reúnem relatos sobre a situação no local onde estão suas casas. As informações mais confiáveis vêm daqueles que se juntaram às fileiras de refugiados na última manhã. As pessoas perguntam a eles se os amigos estão vivos, se as casas não foram derrubadas e se o bombardeio continua.
"Em casa não há trabalho"
A maioria dos refugiados chegou à Crimeia através de Rostov, região da Rússia vizinha à Ucrânia. Dizem que ir por outro caminho é perigoso. Aqueles que resolveram arriscar e passar pelo controle ucraniano reclamaram dos subornos exigidos pelas tropas. "Várias vezes fomos quase tirados de dentro dos ônibus por causa da autorização que tínhamos na mão, outorgada pelas autoridades russas para nossa saída do país", recorda Caterina. Mas ela teve sorte: os soldados deixaram-na atravessar a fronteira por 200 hrivna (moeda ucraniana – valor equivalente a R$ 34).
No acampamento de Mazanka, Caterina permanecerá cerca de uma semana, o período que a maioria de refugiados passa no local. Depois, seguindo a ordem de chegada, os imigrantes são levados de avião do acampamento na península para a Rússia continental. A família de Elmira, por exemplo, será enviada para Kemerovo, cidade no sul da Sibéria Ocidental, a 3.500 quilômetros de Moscou. Lá, prometeram ajudar seu esposo, que é mineiro, a encontrar emprego.
“Não há trabalho em casa. Minha irmã fechou sua farmácia, pois foram cortados todos os fornecimentos de medicamentos. Todas as reservas acabaram, sobraram apenas os medicamentos mais caros”, diz Elmira. Segundo a refugiada, desde o início dos combates no sudeste da Ucrânia, a produção foi paralisada em muitas regiões, e centenas de empresas foram fechadas. "Nossa região era diretamente ligada à Rússia. Todas as fábricas funcionavam graças às encomendas da Rússia. Devido à relação atual entre os dois países, a grande questão é como manter a economia da região", conclui ela.
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