A lei que criminaliza a ocultação da segunda cidadania entrou em vigor em 4 de agosto Foto: PhotoXPress
Uma lei recentemente aprovada na Rússia exige que detentores de passaportes de dois ou mais países informem o Serviço de Imigração, para que o governo possa elaborar uma lista de cidadão que possuem outras nacionalidades. Em caso de ocultação intencional de dupla cidadania, as pessoas estarão sujeitas a penalidades. Os autores da iniciativa acreditam que a segunda cidadania pode prejudicar os sentimentos patrióticos e representa uma ameaça à segurança nacional.
A lei que criminaliza a ocultação da segunda cidadania entrou em vigor em 4 de agosto e foi resultado de uma reunião do presidente russo, Vladímir Pútin, com os membros do Conselho da Federação ocorrida em março de 2014. O chefe da Comissão Constitucional do Conselho da Federação, Andrey Klishas, apresentou a ideia de obrigar os russos a comunicar a dupla cidadania e puni-los por escondê-la. O presidente aprovou a ideia, mas pediu para que não haja exageros. “Devemos e temos o direito de saber quem mora na Rússia e que atividade faz”, disse Putin.
Klishas já tinha preparado o projeto de lei, mas a iniciativa foi tomada pelo deputado Andrei Lugovoi, famoso fora da Rússia por ser suspeito do envenenamento de Alexander Litvinenko, ex-agente do Serviço Federal de Segurança do país. Lugovoi, que é vice-presidente do Comitê de Segurança da Duma (câmara dos deputados russa), exigiu a introdução da responsabilidade criminal no projeto e teve sua proposta aceita. Agora, os russos têm que informar sobre a existência de uma segunda cidadania no período de dois meses, e em caso de atraso o responsável levará uma multa de 500 a mil rublos. Em caso de ocultação intencional, a pessoa deverá pagar uma multa de 200 mil rublos ou realizar 400 horas de trabalho obrigatório. Também é necessário informar a segunda cidadania de crianças.
A Constituição da Rússia permite que se tenha a cidadania de outro país, mas o titular de dois passaportes é considerado apenas um cidadão da Federação Russa, com a exceção de casos previstos em tratados internacionais. Até agora, a Rússia tem um acordo de dupla cidadania apenas com o Tadjiquistão e o Turcomenistão.
Ao explicar a necessidade de mudanças na lei, Lugovoi falou sobre a necessidade de manter o patriotismo. "A presença da segunda cidadania reduz a importância da cidadania da Federação Russa. Nesse caso, um cidadão da Rússia é ligado a outro país e obrigado a cumprir seus deveres constitucionais em favor de outro Estado", disse o deputado. Ele lembrou os "inimigos estrangeiros” da Rússia e explicou que o país está "em um ambiente mundial agressivo, assim o Estado e autoridades precisam saber sobre a segunda cidadania”. O representante do Conselho da Federação, Klishas, lembrou que em alguns países, especialmente nos Estados Unidos e na Letônia, a pessoa que recebe a cidadania é obrigada a prestar o juramento e respeitar somente os interesses daquela nação.
Durante a discussão do projeto de lei, deputados de vários partidos especularam se a medida seria uma maneira de as autoridades tentarem identificar os funcionários que secretamente receberam segunda cidadania, o que é proibido por lei no país.
Сomo notificar a segunda cidadania
Os próprios titulares de passaportes de países diferentes não conseguem entender como cumprir os requisitos da lei. “Há dois dias estou ligando para o Serviço Federal de Imigração e não consigo falar com ninguém”, disse Natalia Savelova, que mora na Alemanha, mas agora planeja se mudar para a Rússia, onde moram seus pais. “Em nenhum lugar se diz de que maneira é necessário notificar as autoridades. Além disso, parece que a lei é aplicada só para os cidadãos que vivem permanentemente em outros países. Eu vivo na Alemanha, mas às vezes visito a Rússia por alguns meses. Eu preciso notificar ou não? Por que as autoridades da Rússia tem que saber disso, se a maior parte do tempo eu passo na Alemanha?”, questiona.
O assunto foi tema em vários fóruns da internet. Pessoas estão convencendo umas às outras de que se alguém ao chegar e sair da Rússia não mostrar o passaporte de outro país ninguém poderá adivinhar que existe um segundo documento. Outros afirmam que qualquer advogado competente poderá provar no tribunal que a lei não faz sentido, pois os russos já notificam as autoridades sobre a segunda cidadania na hora de preencher um pedido para receber o passaporte russo, por exemplo.
O presidente do Conselho dos Direitos Humanos, Mikhail Fedotov, disse que, apesar da presença da segunda cidadania, o russo continua a ser cidadão da Rússia. “Em caso de ausência de um tratado entre a Rússia e qualquer outro Estado, Moscou não reconhece a cidadania desse Estado. Portanto, é um absurdo impor ao cidadão a obrigação de informar uma cidadania, que não reconhecemos", disse Fedorov.
A presidente do Comitê de Assistência Civil, Svetlana Gannushkina, apontou que com essa lei as autoridades botaram o título de espião e de suspeito em pessoas que têm dupla cidadania. "As pessoas vão preferir esconder a presença da segunda cidadania, para minimizar o contato com os funcionários do Serviço de Imigração", acredita Gannushkina.
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