Graças à globalização, entre outras coisas, se tornaram acessíveis quaisquer produtos Foto: ITAR-TASS
Os estudiosos revelam quatro elementos chave da cultura gastronômica, cada um dos quais se alterando a olhos vistos. “Por exemplo, o primeiro elemento pré-culinário era, tradicionalmente, a sementeira e a colheita, cujo antigo significado foi há muito esquecido. Atualmente, existe o problema da qualidade da alimentação. Frequentemente, as pessoas atravessam a cidade para fazerem suas compras nas lojas em que confiam. A confecção se transformou em consumo”, explica Sokhan.
O elemento seguinte é o culinário: o modo como confeccionamos os alimentos, que produtos e receitas preferimos. Segundo a cientista política, os investigadores estão constatando que as pessoas estão perdendo todas as orientações neste domínio. Graças à globalização, entre outras coisas, se tornaram acessíveis quaisquer produtos, por exemplo, legumes frescos no inverno, o que leva à perda de saberes como o de conservar os alimentos através de processos de salmoura ou fermentação.
“Consumindo produtos processados ou ‘fast-food’, a população não se dá conta da ligação que existe entre os produtos iniciais e o resultado final, ou melhor, tal ligação se perdeu. Toda a indústria alimentar dos nossos dias está parasitando na memória gastronômica, fabricando, entre outras coisas, torradas com sabores. De onde provêm esses sabores? Da nossa memória. Todavia, a sequência foi interrompida. Daí, as fobias alimentares que irromperam nos nossos tempos.”
“Outrora, era o medo da fome; hoje é medo de comer algo desconhecido, com as respectivas consequências”, frisa a especialista.
Nossos novos hábitos alimentares
Sokhan nota que o próprio processo de consumo de alimentos sofreu muitas alterações. Almoços caseiros outrora criaram o conceito de família em seu sentido tradicional. As tentativas de destruir a família tradicional começaram precisamente com a luta contra as refeições caseiras.
“Na URSS dos anos 30 e 40, foi elaborado um projeto em que o poder assumiu a responsabilidade na preparação de refeições para seus cidadãos, armando uma luta contra ‘a escravidão na cozinha’ e tentando convencer a população a comer nas cantinas. No entanto, esse projeto não foi aceito”, afirma Irina. “Aquilo que o poder soviético não alcançou, a indústria alimentar de hoje o fez.”
Ígor Bukharov, presidente da Federação de Restauração e Hotelaria da Rússia, não concorda com a cientista política, afirmando que foi precisamente na URSS que começou a se formar o modo atual de encarar a comida.
“Não foi ontem que os almoços caseiros acabaram, o processo começou no período soviético, quando os membros de famílias faziam refeições em separado, devido a horários diferentes e diversas horas de regresso à casa. Nos nossos apartamentos não havia salas de jantar, ninguém mudava de roupa para o almoço. É um desenvolvimento lógico”, concluiu Bukharov.
A pesquisa efetuada pela Escola Superior de Economia revela a falta de comunicação entre os clientes de qualquer restaurante de refeições rápidas. Os especialistas explicam a popularidade do “fast-food” com o ritmo de vida acelerado, bem como com a diversidade de preferências alimentícias.
“‘Fast-food’ de certa forma significa igualdade; perante a comida rápida são iguais os ricos e os pobres, representantes de culturas diferentes. Dá uma impressão de sermos todos crianças, alimentadas por uma força anônima; a tal infantilização também é um dos sinais da contemporaneidade”, diz Sokhan, que assinala também que uma tendência chave de hoje é a criação de comida artificial, o que é capaz de suscitar a modificação do nosso corpo e da noção de corpóreo em geral.
Rapidez ou atividade criadora?
Anna, residente de Moscou, defende a necessidade de almoços tradicionais e da minimização de comida rápida na alimentação por acreditar que ela prejudica a saúde e tira a iniciativa dos seres humanos.
“‘Fast-food’ e alimentos processados estão nos privando da possibilidade de nos inspirarmos na cozinha. Petiscamos em vez de fazermos refeições, não temos receitas que possamos fazer passar de geração em geração, perdemos a noção de cozinha tradicional”, diz a moscovita. “A comida rápida não garante a qualidade, sendo mais a tentativa de usar a indústria química e molhos para mascarar produtos alimentares de baixa qualidade. Uma das desgraças dos russos é o consumo excessivo daquilo que os fabricantes de molhos chamam de ‘maionese’, que causa muitíssimas doenças, inclusive de foro neurológico.”
Já Inna não é contra a comida rápida. Pensa que produtos processados enriquecem a alimentação. “Dou graças por ‘fast-food’ existir. Entretanto, acho que apenas os indivíduos irracionais costumam substituir a alimentação normal pela rápida, mas não seria justo culpar o ‘fast-food’ pela irracionalidade humana”, afirma Inna.
Bukharov não vê nada de novo nem de extraordinário no hábito de usar restaurantes de comida rápida. “É verdade que hoje em dia está crescendo a popularidade de estabelecimentos de serviço rápido. No entanto, esta tendência está longe de ser nova. Ainda em 1911, um dos jornais russos publicou um artigo sobre a abertura de um estabelecimento novo, com mesas altas para comer em pé. Na União Soviética, houve variadíssimos serviços alimentares fora do lar especializados em ‘chebureki’ (pasteis fritos de carne), ‘bliní’ , ‘pelmeni’ (gênero de ravioli), sanduíches variados, bem como casas de chá”, lembra o especialista.
“Realmente, os restaurantes de hoje nada inventam, adquirindo as tecnologias, por exemplo, dos EUA. Ao mesmo tempo se pode afirmar que muita gente cozinha em casa. Os russos preservam suas tradições alimentares vivendo em outros países, tive possibilidade de o testemunhar em Israel, nos Estados Unidos e na Alemanha. Ao meu ver, para uma dona de casa seria muito mais fácil se seus visitantes se reunissem num café.”
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