Ilustração: Niiaz Karim
Na época do Império Russo, existiam diversos tipos de tratamento usados pela população de acordo com as regras introduzidas pela legislação vigente. Por exemplo, a escala hierárquica do país incluía 14 patentes governamentais, e cada qual pediu uma maneira específica de se endereçar aos seus representantes – variando de Vossa Alta Excelência, para as classes mais altas, a Vossa Senhoria, no caso das mais baixas.
A Revolução Vermelha de 1917 destruiu a estrutura da sociedade russa, e todas as formas de tratamento que a acompanhavam viraram passado. O professor e cirurgião Preobrajenski, protagonista do romance “Coração de Cão”, de Mikhail Bulgakov, cujos eventos acontecem logo após a revolução, sugere a seu paciente: “Meu colega doutor Bormental e eu lhe chamaremos de Dom Charikov”, o que deixa o personagem muito ofendido. “Eu não sou dono de ninguém”, rebate o interlocutor na obra.
Naquela época, era permitido o uso de apenas duas formas de tratamento: o termo universal “camarada”, entre amigos e conhecidos, e o oficial “cidadão”, que ressaltava a distância verbal entre as pessoas.
No filme soviético “Caso de Rumiántsev”, lançado em meados da década de 1950, o protagonista, que está sendo acusado de assassinato, tenta se dirigir ao investigador do caso como “camarada Capitão”, mas recebe uma resposta severa: “O lobo de Tambov é o seu camarada!”. Assim, a frase do filme começou a ser usada pela população do país como um lembrete do uso correto das formas de tratamento.
Com a queda da União Soviética, a forma de chamar os amigos e conhecidos de “camarada” deixou de ser utilizada e, hoje em dia, serve apenas para ressaltar que os interlocutores pertencem ao Partido Comunista ou para se referir ao passado soviético.
Sem firula
Todas as mudanças que ocorreram no país ao longo de dois últimos séculos deixaram a população russa sem nenhuma forma de tratamento universal para uso diário. Enquanto as situações oficiais recuperaram a antiga maneira de chamar os participantes de “senhor”, as tentativas de reanimar a expressão “meu senhor” no cotidiano não obtiveram sucesso.
Atualmente, “moço” e “moça” são as formas mais populares de se referir a desconhecidos, embora não combinem muito com pessoas de idade mais avançada. A falta de regulamentação deixou o espaço a formas irônicas, tais como “comandante” ou “chefe” ao líder com taxistas ou “meu caro” para se referir aos garçons.
Na hora de pedir informação a um desconhecido, os russos geralmente começam a pergunta com um tímido “senhor(a), desculpe-me...”, ressaltando a importância do uso adequado dos pronomes “você” e “senhor(a)” – a segunda é obrigatória na interação com pessoas desconhecidas ou mais velhas, enquanto a primeira pressupõe a existência de uma relação mais próxima entre os interlocutores.
Excesso de gentileza não é bem-vindo, contudo, nas situações informais entre homens, em que preferem se dirigir um a outro usando apenas “cara” ou “amigo”.
Nos contatos verbais entre os russos, o sobrenome possui grande importância. Em situações formais como, por exemplo, quando os mais novos se endereçam aos mais velhos ou os subordinados iniciam uma conversa com os seus chefes, o primeiro nome da pessoa a ser chamada deverá ser usado apenas em combinação com o seu sobrenome. A utilização apenas do sobrenome ressalta a existência de uma relação de amizade.
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