Ilustração: Niiaz Karim
Muitos acham que, a beber os copos, os russos dizem: “Na zdoróvie!” (À saúde!) Não é bem assim. A levantar um cálice (copo, taça), se diz: “Vache zdoróvie!” (À sua saúde!), sendo isto apenas uma alusão. O verdadeiro brinde russo tem sempre um desenvolvimento: no início se conta uma pequena história, no fim se faz uma conclusão brincalhona ou paradoxal, pela qual se propõe levantar os copos.
O protagonista da popular comédia cinematográfica soviética “A Prisioneira do Cáucaso” (do ano 1967), de nome Churik, jovem folclorista, vem ao Cáucaso para recolher contos, histórias, lendas e brindes locais. Cada caucasiano com que Churik se cruza, lhe propõe tomar nota de um brinde. Um deles é o seguinte: “O meu bisavô diz: ‘Tenho vontade de comprar uma casa, mas não tenho possibilidade; tenho possibilidade de comprar uma cabra, mas não tenho vontade’. Ora, vamos brindar por as nossas vontades coincidirem com as nossas possibilidades!”. Cada brinde obriga a beber um copo cheio até ao fim, porque “um brinde sem vinho é como uma boda sem noiva”. No mencionado filme, um dos brindes, após uma longa história, acaba assim: “Então, quando todas as aves migraram para passar o inverno no sul, um pequeno, mas orgulhoso passarinho disse: ‘Quanto a mim, voarei diretamente para o Sol’. Começou a subir, a subir, mas em breve queimou as asas, caindo para o fundo de um desfiladeiro. Portanto, brindemos por ninguém de nós, por mais alto que voe, se separar do coletivo!”. A seguir, Churik, completamente bêbado após tantos brindes, começa a chorar baixinho. “O que tens, cara?” – perguntam os anfitriões. “Tenho pena do passarinho!”, responde ele com lágrimas nos olhos. Esta resposta se tornou um cliché popular, que serve para desanuviar um ambiente de tensão.
Certos tipos de festejos pressupõem uma sequência habitual de brindes. Nas festas de anos, o inicial é à saúde do aniversariante (com votos de saúde, sucesso, muitos anos de vida), enquanto o segundo sempre é pelos pais. Num casamento, primeiro se brinda à felicidade dos recém-casados, e depois, durante toda a festa, muitas vezes se repete a mesma palavra: “Amargo!”. É uma proposta lacônica de todos beberem à saúde do casal, afirmando (a brincar) que a comida na mesa tem sabor amargo. Para “tirá-lo”, os recém-casados se levantam, se unindo num longo beijo, enquanto os presentes contam, a coro: “Um, dois, três, quatro, cinco…”, juntando os copos no fim do beijo.
Depois de um funeral, os russos também se juntam à mesa e levantam os copos em memória do defunto, sem os copos se tocarem. Quem propõem um brinde, primeiro conta um episódio comovente da vida do ente querido, dizendo no fim “Memória eterna” ou “Que a terra seja para ele como penugem”. Sempre que se beba em memória daqueles que já não estão entre nós, se brinda sem que os copos se toquem.
Quando os russos se juntam sem propósito especial, simplesmente para passar bem o tempo, brindam sempre à mesa, intercalando a conversa de umas “juntas verbais”. No início, se diz: “Ao nosso encontro!” ou, com ligeira ironia, “À reuniãozinha!”. Para se relaxarem mais rapidamente, se toma logo mais uma bebida, com o tradicional comentário (na versão russa, rimado): “Entre a primeira e a segunda não se demora!”. Os seguintes “ataques alcoólicos” são acompanhados por breves ditos, tais como: “Ora, lá vamos nós!”, “Vamos embora!” “Vai mais uma!”.
Mais ou menos no meio da festa, quase sempre vem à tona um brinde “À saúde das belas damas!” (variante: “Pelas damas aqui presentes!”). Logo, alguém se levanta, dizendo que cavalheiros bebem à saúde das damas de pé; então, todos os homens se levantam e esvaziam seus copos. No passado, era considerado de bom-tom (e até de valentia) beber logo um copo ou cálice inteiro após cada brinde, mas hoje em dia já não é assim, até pelo contrário. Contudo, antes de brinde seguinte, os recipientes meio vazios é preciso encher de novo, o que se chama “refrescar”.
Mais um brinde habitual, cujo sentido é “à realização dos sonhos”, prevê um exercício linguístico, usando premeditadamente palavras de forma incorreta, parodiando ao mesmo tempo os brindes oficiosos e a maneira incerta de falar de um bêbado.
Após a adaptação para o cinema da novela de Mikhail Bulgakov “Coração de Cão”, é muito usado um voto do protagonista, festivo e absurdo: “Desejo que todos!”. Enfim, ele reflete, de modo paradoxal e coletor, o caráter ritual de qualquer brinde.
Um dos personagens de outro filme russo, “A Chuva de Julho”, profere como brinde mais um voto: “Tudo de bom!”, que se usa habitualmente na despedida. “Você está indo embora?”, pergunta a pessoa ao lado. “Não, simplesmente quero brindar a tudo que há de bom!”, respondeu.
Concluindo, é preciso mencionar o último copo que se propõe a quem vai embora: “Para molhar a bengala!”. É que antigamente havia um hábito de andar se apoiando num bastão, e o brinde exprime um voto de boa viagem.
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