A Rússia não tem estatísticas de erros judiciários em processos por crimes de maior gravidade Foto: ITAR-TASS
No dia 23 de setembro de 2009, Aleksêi Serenko, que trabalhava como guarda em um mercado, seguia em seu carro por uma estrada quando foi parado por um policial de trânsito a pretexto de ter cruzado a faixa dupla contínua. O policial o convidou a entrar em seu carro para ver na câmara a ocorrência do fato. "Assim que entrei no carro, os policias me torceram os braços e me levaram para uma delegacia policial sem me explicar nada. Lá me perguntaram: ‘Você sabe por que está aqui?’. Eu disse: ‘Por ter cruzado a faixa dupla’. E eles: ‘Não, por ter cometido um homicídio’", conta Serenko. De dia, ele era levado ao interrogatório e, à noite, espancado por sete policiais, o que durou dez dias.
Com o tempo, ficou sabendo que era suspeito de, em julho de 2008, ter assassinado um jovem e ter deixado com deficiência sua namorada com o objetivo de levar seu dinheiro. Também estava referenciado por ter matado, seis meses mais tarde, um idoso e sua nora em uma casa na cidade de Novotcherkassk e ter levado uma câmera e um casaco de pele. Também foi indiciado por ter matado a família do comandante de uma unidade das forças especiais que estava voltando das férias à beira do mar de carro com sua esposa e dois filhos. Segundo a polícia, ele teria disparado sobre o casal com uma carabina e teria esfaqueado a menina 37 vezes até morrer. Serenko não confessou nenhum dos crimes que lhe foram imputados. No final da segunda semana, os policiais lhe disseram: "Não nos importamos se foi ou não você que cometeu esses crimes. Vai ser você que vai responder por eles."
Como resultado, o Comitê Investigativo da Rússia relatou ter desvendado o crime contra a família do comandante de uma unidade das forças especiais e outros fatos que comprovavam a implicação de Serenko na prática de uma série de outros crimes do gênero. Serenko passou quase dois anos sob custódia e poderia ter sido condenado à prisão perpétua pelo crime cometido por uma gangue detida mais tarde. Esse grupo criminoso tinha em seu extenso histórico criminal 31 homicídios. Muitas de suas vítimas foram policiais. Mesmo assim, Serenko continua não absolvido da acusação e permanece sob o termo de identidade e residência (se ele tiver de se ausentar do país durante mais de cinco dias, tem a obrigação de informar as autoridades policiais). Por essa razão ele não pode conseguir um bom emprego, sair da Região de Rostov, nem tem condições para processar o Estado.
Serenko não é a única pessoa no país acusada de crimes alheios. Segundo dados não oficiais, outras quatro pessoas permanecem presas por suspeita de crimes praticados pela gangue supracitada.
Em 2012, a Corte Suprema anulou cerca de 70 sentenças condenatórias. Em um único ano, foram condenadas 764,3 mil pessoas, enquanto o número de absolvições foi de 5.164 (0,7%). Em 2012, apenas 834 pessoas, ou seja, 16 %, foram absolvidas de crimes de maior gravidade.
A Rússia não tem estatísticas de erros judiciários em processos por crimes de maior gravidade. Mas não é raro as pessoas condenadas por crimes alheios passarem vários anos atrás das grades até os verdadeiros autores dos crimes serem encontrados.
"A taxa de esclarecimentos de homicídios é um dos mais importantes indicadores da eficácia da polícia", diz o diretor do centro de defesa dos direitos humanos Aurora, Pavel Chikov. A condenação injusta ocorre devido a uma forte pressão exercida pela chefia da polícia sobre seus subordinados e investigadores, adianta o ativista de direitos humanos. "Primeiro, os policiais são exortados a esclarecer um crime logo depois de ser cometido. Se seus esforços não derem certo, a exigência é esclarecê-lo a qualquer custo", diz Chikov.
Pelo Código de Processo Penal, a indenização por erro judiciário equivale à soma do salário ou da pensão perdidos pelo suspeito em razão de ação penal, do valor de seus bens confiscados, das multas cobrados pelo tribunal, dos honorários advocatícios e outras despesas, por exemplo com os cuidados de saúde, por ele suportadas. Nos EUA, por exemplo, o condenado injustamente recebe em média US$ 100 por cada dia passado sob custódia. Na Europa, a indenização é de 10 mil euros por mês de prisão ilegal. Na Rússia, uma das maiores indenizações foi paga ao moscovita Maksim Rudenko. Condenado a 14 anos de prisão por homicídio cometido por uma outra pessoa, ele passou três anos na cadeia e recebeu uma indenização de três milhões de rublos (R$ 208 mil).
Publicado originalmente pelo Kommersant
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