Gazeta Russa visitou um local onde pessoas com problemas com drogas ganham esperança para um futuro sem drogas Foto: RIA Nóvosti
“Vova, sou viciado. Masha, sou viciada. Serguêi, sou viciado.”
Seja mais perto ou mais afastado, escutam-se sempre as mesmas vozes abafadas. A ação se desenrola em uma salinha estreita do primeiro piso de um prédio de vários andares nos arredores de Moscou. É aqui que, sem nenhuma placa chamativa nem indicação exterior, funciona a Fundação para a Luta Contra as Drogas, onde estas pessoas são ajudadas a readquirir a sua condição humana.
Onze figuras em tensa espera estão sentadas em bancos, tendo como fundo a bandeira nacional. Um voluntário oferece chá e biscoitos. A maioria deles aparenta ter entre 30 e 40 anos e todos têm uma expressão de rosto concentrada.
E assim começa a reunião da Sociedade dos Narcóticos Anônimos. Eles já passaram por clínicas de reabilitação. Sem nenhum resultado, continuam tentando sair do inferno das drogas. Todos juntos.
Nas reuniões é proibido dizer os nomes das drogas usadas ou os métodos de sua preparação.
“Eu sou viciado”, começa Slava. Ele tem 28 anos e conta que, mesmo antes de começar a usar drogas, bebia muito. Desde os 10 anos. Diz ter uma esposa que ama, e que não o deixou, como quem teve uma filha.
Slava se distingue dos outros: está elegantemente vestido, seu sorriso não perdeu o charme e é o único afável naquele grupo.
Foi o sentimento pela mulher amada que o empurrou para a luta contra o vício. Mas a clínica, conforme confessa, não deu o resultado desejado e ele não conseguiu abandonar definitivamente as drogas, apesar dos três anos de tratamento.
O pagamento mensal médio pela estadia em uma clínica de reabilitação varia, segundo os pacientes, entre os 80 mil e os 150 mil rublos (cerca de US$ 2.500 a US$ 4.700), sendo que muitos deles passam pelo menos seis meses. Isso equivale ao dinheiro gasto mensalmente pelos viciados em heroína, que precisam de 90 mil (cerca de US$ 2.800) rublos por mês para a compra de duas doses da droga por dia.
Desesperado para deixar a droga, Slava até pensou em cumprir pena na cadeia.
Depois da história do Slava, os demais vão se libertando aos poucos.
"Policiais rodoviários sempre me tomam por uma garota de 18 anos bem desenvolvida", diz Marina em ritmo rápido. Pelos gestos e modo de falar ela lembra, de fato, uma adolescente, mas, na realidade, tem quase quarenta anos. Ela tem carro, uma filha e o seu próprio negócio.
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Rússia precisa mudar política de combate à Aids"Às vezes acontece de eu estar sentada no carro e não conseguir pensar noutra coisa que não seja em drogas. Racionalmente compreendo que tenho um negócio para gerir, que tenho uma filha, mas não consigo fazer nada quanto a isso. Tentam me convencer a escrever uma autoanálise, mas eu não quero, simplesmente não consigo", diz ela. A autoanálise na prática médica funciona como uma pequena confissão a nós mesmos, é o reconhecimento dos próprios sentimentos e fraquezas. Os especialistas dizem possuir um efeito poderoso.
Foi o marido que a levou a se tratar. Ao contrário dos pacientes das clínicas de reabilitação, quem vem até aqui e decide seguir o programa tem de fazê-lo voluntariamente. O recém chegado deve, em primeiro lugar, reconhecer que é um dependente químico. Na sociedade, eles passam por um programa constituído por doze passos, que incluem a compensação a si mesmo e aos outros pelos danos causados, um olhar honesto sobre si e o desenvolvimento de confiança em relação ao mundo e às pessoas.
"A minha mãe não me dá dinheiro [para as drogas], por isso decidi pedir ao meu pai, mas ele também é viciado. Eu sempre tive problemas com ele e aquela foi a primeira vez que falamos sinceramente um com o outro. Ele disse que, apesar de tudo, me daria dinheiro, mas sempre através da minha mãe", conta uma garota aparentando vinte anos. As palavras saem coladas da sua boca, como uma geleia viscosa, enquanto vai tendo pequenas convulsões e tremores ao longo do corpo.
Depois das pequenas revelações comuns, cada um deles deve terminar com a frase "Eu estou limpo(a) há…", tendo de indicar o período livres das drogas (para alguns são semanas, para outros apenas alguns dias).
Em resposta à confissão franca ouvem-se aplausos. A maioria das pessoas se encontra nestas reuniões do grupo várias vezes por semana e é compreendido neste círculo.
No fim, todos se abraçam. Nos seus rostos surge um sorriso. Eles sentem que não estão sozinhos, que têm apoio, mesmo que apenas naquela curto intervalo de tempo.
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