Insulto a sentimentos religiosos pode dar até 3 anos de prisão

Autoridades russas visam proteger direitos dos fieis, mas norme sofre resistência dos ateus Foto: Kommersant

Autoridades russas visam proteger direitos dos fieis, mas norme sofre resistência dos ateus Foto: Kommersant

Projeto de lei apresentado após condenação das Pussy Riot foi aprovado pelo parlamento russo. Enquanto especialistas sugerem que texto da lei é vago, fiéis se dividem sobre severidade da medida.

Cinco semanas depois da condenação das integrantes da banda punk Pussy Riot a dois anos de reclusão por vandalismo, os representantes da Duma (câmara dos deputados na Rússia) apresentaram um projeto de lei estipulando novas penas para cidadãos que insultarem os sentimentos de fiéis. Oito meses depois, o projeto de lei foi aprovado em segunda leitura por três quartos dos integrantes da câmara na terça-feira passada (21),

No entanto, em resposta às críticas, os legisladores reduziram de cinco para três anos, a penalidade máxima proposta para “ações públicas que expressam nítido desrespeito à sociedade”, realizadas, por exemplo, em um templo ou uma mesquita, “com o objetivo de insultar os sentimentos religiosos dos fiéis”.

A multa máxima para tais ações, que antes não constavam no Código Penal, chegará a 500 mil rublos (cerca de R$ 16 mil). Também são previstos trabalhos voluntários.

“Os atos de profanação dos santuários religiosos são assimilados de forma negativa pela sociedade e, em função disso, constituiu-se uma demanda em relação à defesa adequada dos sentimentos dos fiéis”, informou a assessoria de imprensa do partido Rússia Unida, fazendo referência às declarações do legislador Tamerlan Aguzarov, autor do projeto.

“É uma lei de difícil execução, mas absolutamente necessária em um país multiétnico e multirreligioso como o nosso”, declarou o porta-voz do Kremlin, Dmítri Peskov, no início de abril.

De acordo com uma pesquisa conduzida pelo Centro de Pesquisa de Opinião Pública de Toda a Rússia (VTsIOM) em setembro de 2012, 45% da população russa acredita que o insulto aos sentimentos religiosos deve estar sujeito à condenação penal contra 22% dos cidadãos que discordam da medida.

O professor da Academia de Teologia de Moscou, Andrêi Kuraev, defende a necessidade de se ter uma lei para proteger as pessoas contra manifestações de ódio, mas considera a nova lei “muito vaga”. “Se eu me dirigir ao juiz e declarar que meu sentimento foi insultado, quem poderia comprovar isso? O Tribunal teria então que analisar se a pessoa foi realmente ofendida e se existe uma intenção criminosa nos recantos mais íntimos do suposto agressor”, critica Kuraev.

Em entrevista à rádio Eco de Moscou, o presidente do Conselho de Direitos Humanos junto à presidência, Mikhail Fedotov, disse que a nova norma “permite punir a violação do direito à liberdade de consciência”. Mas, segundo ele, as integrantes do Pussy Riot foram condenadas por um artigo do Código Penal que não existe. "Se não existe um dado artigo no Código Penal, não há pelo que punir”, arrematou Fedotov.

Punição divina

Diante da notícia, os representantes do partido democrático Iábloko realizaram, nesta terça-feira, paralisações junto ao prédio da Duma, afirmando que a nova lei viola os direitos dos ateus. “Ao defender os sentimentos de uma única categoria de cidadãos, os fiéis, a norma viola a constituição, que garante igualdade entre todos os cidadãos”, destacaram os manifestantes.

O jornal “Moskovskie Nóvosti” entrevistou paroquianos das igrejas de Moscou para descobrir a sua posição em relação ao projeto de lei.

“Os sentimentos de um fiel não podem ser ofendidos, mas não deve existir uma penalidade para essa atitude – Deus punirá”, disse a aposentada Irina Fedorova.

Apesar disso, ela acredita que ações como a do grupo Pussy Riot devem ser punidas “porque são muito desrespeitosas”. “Uma coisa é quando eu sou insultada, talvez até tenha merecido isso. Mas se muitos são insultados de uma só vez, então o Estado deve intervir", acrescentou Fedorova.

Uma enquete realizada em abril pelo Centro Levada mostrou que 56% dos russos consideram adequada a punição das integrantes do grupo punk, enquanto 26% qualificam como “excessiva”.

O fiel Iúri Oskin discorda plenamente do projeto de lei. “De acordo com as nossas leis, todo cidadão já pode ser julgado por insultar alguém”, explica, ao comentar que não há necessidade de destacar quaisquer categorias entre os ofendidos. “Se for assim, será preciso introduzir artigos para os insultos aos trabalhadores, policiais e assim por diante. Nesses casos, Deus deve julgá-los.”

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