Proprietários de brechós desejam mudar conotação negativa do termo "beneficente"
Há um ano e meio, Váleri Kovertchik planejou abrir o primeiro brechó beneficente em Ekaterimburgo, no lado oriental dos montes Urais. Para começar, ele alugou um espaço próximo ao metrô por um valor modesto. Como o ambiente tinha uma aparência desanimadora – uma solitária lâmpada no teto, piso de concreto e paredes descascadas – todo o dinheiro que Kovertchik havia economizado para comprar um carro foi desembolsado para a reforma do futuro brechó.
“Eu chegava no meu trabalho formal entre sete e oito horas da manhã, para depois poder sair na hora do almoço e ir até o brechó. Conseguia voltar para casa somente por volta das dez horas da noite. Vivi nesse ritmo por alguns meses”, conta Kovertchik.
Finalmente, chegou o dia da inauguração do brechó Da-ra-shop. As roupas estavam cuidadosamente penduradas, bem como o chá e os biscoitos que seriam servidos para os clientes. A surpresa, contudo, foi que nenhuma das pessoas convidadas pessoalmente ou pelas redes sociais se interessou pelo brechó.
“Na Rússia, a palavra beneficente assusta muita gente. Ao ouvi-la, logo pensam que ‘agora vão pedir algo ou vão tentar arrancar alguma coisa de nós”, explica.
Mesmo assim, a equipe de Váleri conseguiu gradualmente mudar a mentalidade de algumas pessoas da região e, hoje em dia, o brechó já tem mais de 1.500 fãs nas redes sociais. Além disso, os mil dólares arrecadados até então foram empregados na compra de medicamentos e alimentos para o abrigo municipal de animais abandonados.
À moda de Moscou
O primeiro brechó beneficente da capital, o Empório da Alegria ocupava gratuitamente uma sala pequena em uma galeria particular no centro de Moscou. No entanto, depois de um ano de funcionamento, a autora da iniciativa, Ekaterina Bermant , se viu despejada. “Não será nada fácil encontrar algo igual”, adiantam os colaboradores.
O Empório da Alegria não é bem uma loja, pois os artigos são adquiridos em troca de doações. Essa é uma condição obrigatória para sua existência, pois legalmente o espaço é enquadrado na categoria de organização beneficente e não tem o direito de realizar comércio.
A lógica do estabelecimento é interessante: se alguém escolhe uma calça jeans, essa pessoa deve determinar o valor a ser pago pela peça. Para evitar que os artigos caros desapareçam rapidamente por um valor irrisório, a atendente Maria Timofeiev acompanha o processo de perto.
Timofeiev e seus colegas conseguem arrecadar cerca de 8 mil dólares por mês, quantia transferida para a ONG Todos juntos.
Vestido para ajudar
Quando, há três anos, Julia Titov inaugurou o primeiro brechó beneficente da Rússia, ela não suspeitava do alcance da sua ideia. Inicialmente, eram em três: Julia e dois amigos. Todos haviam passado pela Inglaterra e ficaram impressionados com a forma como as pessoas lidam com as suas coisas.
“Elas não são descartadas, mas revendidas para ajudar os necessitados. Precisamos fazer algo parecido aqui”, resolveu Julia. Tempos depois, abriu um pequeno brechó em São Petersburgo, chamado Obrigado, e o transformou em um espaço para dezenas de eventos: oficinas de artesanato, concertos, exposições, trocas de livros etc.
Do material arrecadado com doações, apenas 10% vão para vendas; o restante é distribuído gratuitamente. Três vezes por semana, famílias grandes e mães solteiras vão buscar as roupas. “Queremos vestir a cidade toda”, consta na página da rede social do Obrigado.
Além de ajudar nas contas de aluguel e impostos, os recursos arrecadados são repassados para duas instituições que ajudam moradores de rua e adolescentes desfavorecidos.
“O problema é que a atitude da sociedade russa em relação à própria ideia de filantropia está longe de ser a ideal”, diz Polina Filippov, diretora do programa de atividades da fundação internacional CAF Rússia (Charities Aid Foundation).
“Para a maioria dos russos a beneficência significa dar uma esmola para alguém no metrô, e as organizações que trabalham nesta esfera representam algo duvidoso. Além disso, as entidades sem fins lucrativos encontram-se sob rigorosíssima supervisão do governo”, destaca Filippov.
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