Crédit photos : Victoria Lomasko
A artista Victoria
Lomasko costumava retratar os participantes de processos jurídicos
importantes, como é o caso do julgamento da banda punk Pussy Riot.
Durante as reuniões políticas de 2012, ela também produziu a
chamada “Crônica da resistência” gráfica, representando os
atos de protestos na capital, e fez esboços da vida provinciana
russa.
Somado a esse grandioso currículo, Lomasko vem dando
aulas de desenho em reformatórios para menores e escreve manuais
para quem resolver apoiá-la nessa empreitada. Foi justamente por
esse motivo que a BG.ru conversou com a artista, que relatou as
principais inspirações dos adolescentes prisioneiros e contou um
pouco sobre a realidade desses jovens atrás das grades.
Início do trabalho
Certa vez, no reformatório de menores de Mojaiski [a cerca de 100 quilômetros da capital], perguntaram o que eu estava fazendo ali. Por que ensino? Diziam que, provavelmente, me pagavam um monte de dinheiro pelas aulas e achavam que havia algum mistério.
“Os jovens detentos não estão prontos para as aulas e mal conseguem expressar os seus sentimentos. É muito difícil trabalhar com eles, é como derrubar uma parede”, conta Lomasko.
No início, era a curiosidade sobre como é a vida no reformatório, queria fazer esboços de lá. Depois as aulas com os jovens tornaram-se interessantes para mim. Surgiu um contato direto com os alunos: eu já conhecida todos, seus nomes e interesses concretos, e eles esperavam por mim.
Mas
eu ainda não tinha evoluído completamente de artista para
assistente social. O artista faz experimentos, procura temas que
nunca tenham sido trabalhados, pedaços de realidade não revelados.
Quando o programa das aulas de desenho para o reformatório estiver
totalmente desenvolvido, o projeto estará concluído.
Para
mim, é importante inserir os resultados em um livro, para que esse
material possa ser útil a outros voluntários dispostos a ensinar em
reformatórios para jovens.
Do desagradável ao interessante
A vida na instituição penal parece com um dia de uma marmota: a agenda é rígida e é necessário cumpri-la. Alguns dos alunos, é claro, tentam refletir, mas eles estão completamente separados da vida comum e encontram-se em uma espécie de torpor. Eles não querem pensar, analisar. E as aulas de desenho podem animá-los um pouco, afinal, trata-se de um trabalho mental muito intenso.
Se você pedir a um adolescente do reformatório para desenhar o que ele quiser, ele quase sempre desenhará algo relacionado com a prisão. Tive um aluno, Andrêi, que desenhava muito bem com símbolos próprios da prisão, em lenços ou simplesmente pedaços de tecido. Para os presos, ele era uma espécie de autoridade nesse quesito.
No
início, Andrêi não gostava das minhas aulas, porque as tarefas não
combinavam com a sua prática habitual, e ele se saía mal. Ele me
acusava de obriga-lo a desenhar sem o envolvimento da alma. E os
outros também me acusavam.
Oras, desenhar “com a alma”
nesse caso é um arame farpado enrolado no coração ou em uma rosa,
o sol atrás das grades, ingênuas cópias dos ícones. Mas, quando o
Centro para a Reforma Prisional lançou um calendário com os
desenhos dos jovens detentos, e entre eles estavam os desenhos do
Andrêi, ele mudou sua atitude em nossas aulas.
Os meus alunos ficam normalmente se lamuriando, pois não sabem o que desenhar. Tudo o que havia fora das grades foi esquecido, e na prisão não existe nada de interessante. Fiz uma palestra sobre “Como transformar o chato, desagradável ou assustador em algo interessante”, expondo álbuns sobre a guerra, figuras com motivos militares e campos de concentração. Depois disso, eles começaram a olhar ao redor de si com mais atenção.
Atividades
de estímulo
Encontrei um dos meus
trabalhos favoritos em um livro sobre uma artista judia Friedl
Dicker-Brandeis, que ficou presa em um campo de concentração e
trabalhou lá com as crianças, fazendo desenhos.
A tarefa
era assim: pensar em uma metáfora ou frase engraçada e desenhá-la
bem rápido. Isso ajuda a desenvolver o desenho e parar de ter medo
de uma folha em branco. Friedl Dicker-Brandeis morreu em uma câmara
de gás, assim como muitas crianças. Mas quem escapou do campo de
concentração lembrava que essas lições foram a única coisa que
os ajudou a sobreviver.
Eu tentei repassar essa lição no reformatório para meninas em Novi Oskol. Por exemplo, inventei uma frase: “O avô caiu no chão”. Todos riram, depois ficaram desenhando o avô e por que ele tinha caído. Depois, elas mesmas inventaram uma tarefa: “Como Dima Bilan tornou-se faxineiro”. [Dima Bilan é um cantor e compositor russo, que representou a Rússia no Festival Eurovisão da Canção - Nota da Tradução]
Tivemos
uma aula muito divertida e a classe ficou às gargalhadas. As
educadoras até vieram ver por que estávamos rindo e também
decidiram inventar atividades, como “Vocês saíram do reformatório
e viraram uma boa mãe”, “Vocês saíram do reformatório e
encontraram um bom trabalho”, “Vocês saíram do reformatório e
encontraram um bom marido”. As coisas foram ficando muito formais e
a diversão logo acabou.
Choque de
realidade
Na sala de aula não é permitido perguntar por que eles foram parar no reformatório. Mas, recentemente, as etiquetas nas roupas foram mudadas e, além do nome do jovem, há o número do artigo que os levou à detenção. Os alunos nas minhas aulas têm os mais diversos números de artigos. Um dos meus primeiros alunos, Oleg, fazia parte de uma gangue de skinheads e foi condenado por homicídio em grupo.
Vivendo em uma cidade pequena comandada pela máfia do Cáucaso, Oleg havia testemunhado o assassinato de um amigo por adolescentes da região. Diante da impunidade, Oleg formou um grupo de skinheads, que depredava os mercados caucasianos. Ele se considerava um patriota; “se o governo não quer fazer nada, então, ele mesmo faria”.
Enfim, expusemos os desenhos dos garotos do reformatório em uma das melhores escolas de Moscou, incluindo um esboço de Oleg onde retratava o seu crime. Procurei ouvir as conversas dos alunos mais velhos que vieram ver a exposição, e percebi que muitos apoiavam o ponto de vista de Oleg. Ainda assim, ficaram chocados que na prisão havia adolescentes como eles.
Futuro dos alunos
Vamos ao reformatório uma vez por mês. Seis meses depois do início dos trabalhos, os participantes do grupo de desenho costumam mudar completamente. Alguém é libertado ou passa para a ala adulta.
Penso que em três anos, pelo menos cinco dos meus alunos poderiam se tornar artistas, caso as aulas de desenho continuassem.
Antigamente,
os meninos podiam ficar no reformatório até a idade de 20 ou 21
anos, se apresentassem. Agora eles sabem que a ala adulta os espera e
vão se preparando. O reformatório é visto por eles como um estágio
temporário, onde não é obrigatório estudar. É necessário
aprender as leis da prisão, a linguagem e fazer uma
tatuagem.
Exemplo da América Latina
Tivemos
um projeto conjunto com a revista “La Resistencia”, de uma prisão
argentina, na qual foram publicados desenhos dos jovens detentos do
reformatório de Mojaiski e um artigo sobre o trabalho do Centro de
Assistência.
Ali é costume orientar-se pelas tradições da
Europa, mas me parece que, para a Rússia, é mais importante a
experiência dos países da América Latina. Eles têm em algo
parecido conosco, isto é, muito pouco apoio do Estado para os
projetos sociais. Ainda assim, o nível de ativismo por lá é alto,
e muitos artistas locais trabalham gratuitamente com diferentes
grupos sociais.
Publicado originalmente pelo
BG.ru
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