Desenvolvimentos na região da fronteira turco-síria aumentam tensão com Ancara
Valéri Charifulin/TASSCerca de 200 delegados de várias organizações de curdos sírios, assírios, turcomanos e armênios anunciaram na quinta-feira (17) a criação de uma região federativa no norte da Síria. A notícia foi recebida com ressalvas pelo Kremlin, que não declarou apoio à decisão.
De acordo com uma fonte entre os curdos sírios, a iniciativa de criar uma unidade federativa causou polêmica entre os representantes, e, por isso, a declaração sobre a entidade administrativa autônoma curda foi divulgada um dia após o planejado.
Os participantes da conferência afirmaram que a declaração da região federativa no norte da Síria deve indicar o início do processo de federalização de todo o país.
O porta-voz do presidente russo, Dmítri Peskov, declarou que a “estrutura interna do Estado sírio é assunto dos sírios”. No entanto, para a Rússia, “é claro que é importante que a Síria continue a ser um Estado unificado”.
O governo de Damasco qualificou a criação da região federativa como “ilegal” e alertou contra “tentativas de minar a unidade da Síria e a sua integridade territorial”.
Após o anúncio, o representante do Curdistão sírio em Moscou, Rodi Osman, garantiu, em entrevista coletiva na capital russa, que os sírios curdos não procuram criar uma região autônoma para si próprios.
“Não buscamos uma autonomia para os curdos. Queremos ter um regime que garanta os direitos de todos”, disse Osman. “Não queremos criar um Estado para qualquer grupo étnico específico.”
“Por que chegamos a esta decisão [de proclamar uma federação]? Derrotas sofridas pelas tropas do governo sírio e os avanços de forças terroristas foram os principais fatores”, continuou. “Criamos um regime administrativo especial para autodefesa. Estamos agora estabelecendo agências própria de governo, educação e saúde.”
Durante a coletiva, o líder curdo disse também que o surgimento de uma federação era um desejo popular e reúne diversas áreas recuperadas da Síria. “A nossa federação está determinada a pôr fim à discriminação religiosa, incluindo aos cristãos”, disse.
O documento da federação recém-proclamada foi, segundo Osman, apresentado em três idiomas – árabe, curdo e assírio.
Um sistema federal foi originalmente declarado pelos curdos sírios em janeiro de 2014, quando seus representantes concordaram em estabelecer autonomia para Rojava (nome local para Curdistão sírio) nos territórios sob seu controle. Vivem na região em torno de 4,5 milhões de pessoas.
Turquia contra
Os enclaves curdos haviam sido separados pelas linhas de frente do território tomado pelo Estado Islâmico (EI). A região de Rojava, que faz fronteira com a Turquia, foi então designada como terrorista por Ancara, e os postos de controle foram fechados.
Devido a operações militares bem-sucedidas contra o EI, em 2015, os curdos sírios retomaram áreas e quase duplicaram seu território.
A ideia de federalização da Síria significa, porém, que os curdos sírios seriam capazes de manter unidades de proteção paramilitar e introduzir um sistema de governo próprio nas áreas controladas por eles.
Para os especialistas, esse desfecho é o mais temido pela Turquia. Isso porque, segundo as autoridades turcas, os curdos sírios estão ajudando o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), cujos seguidores estariam envolvidos nos recentes ataques terroristas em Ancara.
‘Hora errada’
Os curdos escolheram o pior momento para declarar sua autonomia, acredita Serguêi Filatov, especialista em assuntos exteriores da Universidade Estatal de Moscou.
“Agora é crucial chegar a um acordo em Genebra, onde as negociações entre os lados opostos do conflito sírio estão em andamento”, disse Filatov ao jornal “Izvéstia”.
“É essencial que o diálogo seja conduzido sem distração e estresse. E, é claro, a iniciativa curda, nesse sentido, foi completamente fora de propósito.”
Segundo Konstantin Dolgov, pesquisador sênior do Centro de Estudos Árabes e Islâmicos na Academia Russa de Ciências, os curdos “estão tentando tirar proveito de uma situação difícil em que o Exército sírio está lutando contra grupos radicais islâmicos”.
“A declaração dos curdos é um tiro barato no regime do [presidente turco Recep Tayyip] Erdogan”, diz Vladímir Avakov, diretor do Centro para Estudos Orientais, Relações Internacionais e Diplomacia Pública, em Moscou.
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