Os pratos mais estranhos da culinária camponesa russa

Galeria Tretiakov
A maioria dos camponeses russos era muito pobre e eles precisaram criar suas refeições a partir de coisas não exatamente apetitosas. Mingau da floresta? Uma pasta feita de sementes fermentadas? Sal preto das profundezas do fogão? Escolhemos algumas receitas estranhas para os dias de hoje, mas que fizeram parte do dia a dia desses trabalhadores.
  1. Kacha de bétula – o mingau das florestas

A bétula é uma das árvores símbolo da Rússia e sua madeira era usada para as fogueiras e lareiras, mas muito mais vinha da planta, como sua seiva, que era utilizada como antisséptico.

Algumas partes podiam ser cozidas como kacha (mingau). O floema, a parte mais interna do tronco, responsável por transportar os nutrientes dentro da planta, era o pedaço usado para os mingaus. Era preciso extrai-lo, deixar de molho até que estivesse completamente hidratado e depois fervê-lo até que se tornasse um líquido cremoso como um mingau. E estava pronto um café da manhã para ser tomado com suco de bétula.

  1. Rubets – rúmen, a primeira parte do estômago das vacas

Todo outono, os camponeses eram ordenados a salgar e marinar carne para alimentar a família dos donos das terras durante inverno. Os rubets (rúmen) não podem ser armazenados e, por isso, os camponeses eram autorizados a pegá-los para sua alimentação, inventando maneiras de preparar esse subproduto da carne. A receita assemelha-se a do haggis escocês (mas o haggis é feito de coração, fígado e pulmões de ovelha) ou a das tripas italianas (que podem ser constituídas por todas as câmaras do estômago, enquanto os rubets usam apenas a primeira câmara).  

O rúmem deve ficar de molho por várias horas (com a água sendo trocada a cada hora) para que seu cheiro forte desapareça. Depois, deve ser fervido com legumes por cerca de cinco horas, até que esteja macio o suficiente para ser perfurado com um garfo. É um prato rico em nutrientes, contém proteínas e muitas vitaminas, além de elementos como o zinco, que melhora o sistema imunológico. Mas não é muito apetitoso.

  1. Kulaga – pasta fermentada medicinal

Feito de centeio, o kulaga era semelhante ao kacha de bétula, porque também exigia muito pouco esforço e poucos ingredientes para ser preparado: farinha de centeio, malte de centeio e água bastavam. O malte de centeio é colocado de molho em água fervente por uma hora, depois adiciona-se a farinha de centeio (o dobro da quantidade de malte).

Quando a massa resultante dessa mistura esfria e se torna homogênea, ela é colocada em uma panela bem fechada vai ao fogo por várias horas.  O bom kulaga tem uma cor marrom clara e se assemelha a um mingau muito grosso - pode-se cortá-lo com uma faca.

Durante o cozimento, o kulaga é fermentado e o produto final contém muitos nutrientes, sendo especialmente rico em vitaminas do complexo B, necessárias para um metabolismo saudável. Os camponeses russos usavam esse "superalimento" como remédio popular para doenças renais e do trato gastrointestinal, do coração e do fígado.

  1. Quinta salgada – tempero negro caro cozido em um sapato

Além de ser uma refeição saudável, o kulaga era um alimento ritualístico, que provavelmente foi preservado pelo povo russo desde os tempos pagãos. O mesmo pode ser dito sobre o chamado "sal de quinta-feira". Só poderia ser preparado em uma noite do ano - na noite anterior à Quinta-Feira Santa, quando, de acordo com a Bíblia, Cristo teve sua Última Ceia com os Apóstolos.

O sal de quinta-feira era um alimento ritual porque, nos tempos antigos, o sal era muito, muito caro e se acreditava que possuísse propriedades para proteger uma pessoa dos maus espíritos. Para preparar o sal de quinta-feira, era preciso umedecer o sal grosso com água e misturar com migalhas de pão de centeio. Essa massa era colocada em um tecido úmido, depois em um sapato de bétula (lapot) e enterrada nas cinzas de uma fogueira e deixada lá por até quatro horas.

Mas o principal "ingrediente" desse preparo era a oração - os camponeses seguiam rezando durante todo o processo. As orações também eram lidas quando o bloco salgado em que se tornava a mistura era triturado com um pilão. Depois disso, o sal era abençoado em uma igreja. O sal de quinta-feira era mantido no lugar mais sagrado da casa de um camponês - atrás do canto dos ícones.

Era usado em todas as refeições religiosas e também como remédio milagroso: o sal de quinta-feira era aplicado ao corpo em caso de doenças, diluído e usado como poção médica para o gado e como fertilizante durante a estação agrícola. 

  1. Levachi – doces ecológicos bem antes de virarem moda

Na maior parte da história da Rússia, os camponeses não tinham acesso ao açúcar - era algo muito caro e, portanto, não utilizado culinária camponesa. Mas as crianças adoram doces e os filhos dos camponeses não eram diferentes - então os russos tinham seu próprio doce feito de frutas, chamado levachi. Por ser feito apenas de frutas secas naturalmente, esse doce pode ser armazenado por até cinco anos.

Para preparar o levachi, frutas (ou, mais frequentemente, bagas) eram esmagadas na forma de purê. Depois, adiciona-se mel e o purê é deixado para secar ao sol em grandes panelas ou colocado em um fogão quente para secar mais rapidamente.

A pasta de frutas resultante do processo era espalhada em folhas e cortadas em fitas ou rolinhos e depois guardada. Historiadores dizem que o levachi é o doce mais antigo da Rússia. Recentemente o país viu um retorno desse tipo de doce, chamado hoje de pastila (embora a pastila de verdade seja feita com claras de ovos) que vem sendo vendido como “guloseima tradicional russa”, que nada mais é do que a pura verdade.

LEIA TAMBÉM: Schi, o caldo verde da Rússia medieval

Autorizamos a reprodução de todos os nossos textos sob a condição de que se publique juntamente o link ativo para o original do Russia Beyond.

Leia mais

Este site utiliza cookies. Clique aqui para saber mais.

Aceitar cookies