O que a Rússia pensa do relatório sobre os hackers na eleição americana

Autoridades de inteligência dos EUA testemunharam em audiência sobre ameaças de ciberataques, em Washington, no último dia 5

Autoridades de inteligência dos EUA testemunharam em audiência sobre ameaças de ciberataques, em Washington, no último dia 5

Reuters
Para autoridades oficiais em Moscou, documento produzido pelos serviços de inteligência americanos sobre possível influência de estratégia russa no resultado das recentes eleições presidencias nos EUA tira conclusões baseadas em declarações da imprensa e das redes sociais e não apresenta nenhuma prova definitiva.

A Rússia recebeu com perplexidade o conteúdo do relatório do serviço de inteligência americana intitulado “Avaliação das ações e intenções da Rússia durante as recentes eleições nos Estados Unidos”, divulgado na última sexta-feira, dia 6. O documento acusa o presidente Vladimir Pútin de ter organizado os ataques cibernéticos para intervir nas eleições presidenciais de novembro passado daquele país. Para o governo russo, a versão publicada do relatório não contém nenhuma prova convincente da tese.

Uma nova caça às bruxas

Moscou afirma estar “realmente cansada” das acusações, dizem os comentários que saem das autoridades do Kremlin sobre o documento produzido e assinado em conjunto pela CIA, pela NSA e pelo FBI. “Sabemos que nossos parceiros americanos empenharam-se em várias caças às bruxas em diversas estapas de sua história”, afirma Dmítri Peskov, porta-voz do governo de Pútin. “Mas estas crises emocionais passam e são substituídas por enfoques mais serenos”, completa Peskov, destacando mais uma vez que a capital, os membros do governo e demais organizações russas oficiais não têm nenhuma relação com os ciberataques.

A Duma (câmara dos deputados) qualificou o documento como “ofensa” contra o povo americano. Metade da versão pública do relatório dedicou-se a analisar as atividades do canal de televisão RT, que durante a campanha presidencial naquele país deu clara preferência ao candidato republicano Donald Trump, e apresentou a democrata Hillary Clinton de forma negativa. “Afirmar que a mídia russa é capaz de influir seriamente na opinião dos eleitores americanso é uma ofensa direta à opinião pública nos Estados Unidos”, declara o diretor do comitê sobre política de informação da Duma, Leonid Lêvin. Ainda mais humilhante para o próprio sistema político americano é a afirmação que “a publicação de vários fatos sobre um dos partidos supôs uma ameaça para os 200 anos de estabilidade americana”, detalha um deputado russo.

Foram os russos

A imprensa mais próxima ao governo russo mostrou-se igualmente crítica ao “sensacionalismo” americano, e chamou a atenção para o fato que os próprios autores do relatório admitem que “algumas conclusões” sobre as intenções do Kremlin originaram-se de declarações de políticos russos, de publicações dos meios de comunicação do país e das redes sociais. “O relatório americano sobre os ciberataques baseou-se na TV e no Twitter”, escreveu o jornal Vzgliad.

Dize que, porque os políticos russos “celebraram” a vitória de Trump nas eleições, eles estariam envolvidos nos ataques parece uma afirmação estranha —por exemplo, quando o documento cita como uma das provas a declaração do líder do partido Liberal Democrático (LDPR), Vladímir Jirinóvski: “Se [Trump] ganhar, no dia 9 de novembro beberemos champanhe!”. 

“Tal alegria é compreensível, já que não é segredo que os políticos russos não queriam ver a continuidade da política de Obama no que diz respeito às relações com a Rússia e, portanto, não desejavam a vitória de Hillary Clinton”, afirmou ao vivo na emissora de radio Kommersant-FM o cientista político especialista em relações internacionais Milhail Tróitski. “Alegrar-se por ele não significa que tentaram ajudá-lo”, diz.

O mais importante: a reputação

A porção confidencial do relatório pode conter provas, mas ela só foi apresentada à equipe de Trump, à de Obama e ao comitê de inteligência. O conteúdo que chegou à sociedade é feito apenas de conclusões que não têm nada de convicente. “Sem a parcela importante, o documento parece inútil. Não apresenta nada de novo, como nos prometeram, nenhum argumento convincente”, escreve nas redes sociais Leonid Volkov, membro da oposição e companheiro próximo de Aleksêi Naválni, que complementa dizendo que os autores “trazem conclusões medíocres apresentando como provas ‘o rastro da atividade digital da RT nas redes sociais’ na forma de variados gráficos”. “Em poucas palavras, quero crer que a análises da porção confidencial do relatório tenha sido levada a cabo de forma mais séria”, diz Volkov.

O certo é que agora, na Rússia, não se trata mais de avaliar até que ponto o relatório dos serviços de inteligência americanos é verdadeiro. O mais importante é a atmosfera política que está se formando e que é tão real quanto o próprio documento, afirma Tróitski. E sua importância está em que tal relatório foi assinado por todos os serviços americanos de inteligência. “Os representantes destes serviços estão pondo em jogo também sua reputação profissional, sua carreira… E este é um risco bastante alto.”

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