Destroços de Boeing 777 que caiu na região de Donetsk em 2014
ReutersUma equipe internacional, composta por Ucrânia, Bélgica, Malásia, Austrália e Holanda, publicou nesta quarta-feira (28) a segunda parte da investigação sobre o acidente do Boeing-777 malaio no sudeste da Ucrânia, em julho de 2014.
Após mais de dois anos de investigações, a equipe chegou a conclusão de que o míssil que derrubou a aeronave foi disparado de um sistema BUK a cerca de 8 km ao sul da cidade de Snejnoie, no sudeste ucraniano, que na época do incidente era controlada por milícias pró-Rússia.
O local de lançamento foi determinado com base em imagens de satélite cedidas pelos EUA e pela Ucrânia, além de depoimentos e fotografias fornecidas por testemunhas.
O sistema BUK teria sido levado da Rússia à Ucrânia, e, após a tragédia, enviado de volta para o país de origem, diz o relatório.
Ao anunciar os resultados da investigação, o procurador holandês Fred Westerbeke não apresentou oficialmente a acusações contra a Rússia, mas disse que a lista de suspeitos do acidente elaborada pela comissão chega a quase 100 pessoas.
O relatório será utilizado como evidência durante o julgamento de processos internacionais sobre o caso.
Em coletiva, investigadores apresentaram possíveis cenários para explicar incidente Foto: AP
Provas confrontadas
Líderes da autoproclamada República Popular de Donetsk (RPD) negaram de imediato as conclusões apresentadas no relatório do grupo de investigação, qualificando-as como “mentiras” pela inexistência de provas reais.
“Eles estão fazendo essas declarações, mas ninguém apresenta as evidências encontradas nas fotografias dos EUA”, disse o vice-diretor do Ministério da Defesa da RPD, Eduard Basurin, em entrevista a uma rádio de Moscou.
“Dois anos se passaram, mas ninguém viu essas fotografias. E a Ucrânia se recusa a mostrar o espaço aéreo em seus radares. Eles estão enganando todo mundo, eles estão mentindo”, completou.
As fotos que foram apresentadas durante a divulgação do relatório incluem imagens feitas por testemunhas mostrando como o BUK foi transportado à Ucrânia e uma área queimada no campo de onde, supostamente, o míssil foi disparado.
O porta-voz do Kremlin, Dmítri Peskov, afirmou, uma hora antes da coletiva, que as milícias não estiveram envolvidas no acidente do voo MH17. Como evidência, citou uma nova investigação russa sobre o assunto, publicada havia dois dias.
O relatório da Rússia se baseia em informações coletadas por radares russos na fronteira russo-ucraniana e afirma que o míssil só poderia ter sido disparado a partir do lado controlado pelo Exército ucraniano.
“A informação é inequívoca e não mostra nenhum míssil [do lado das milícias]. Se houve um míssil, só pode ter sido disparado de outro território”, continuou Peskov.
As evidências russas não foram consideradas no relatório final preparado pelo grupo internacional de investigação.
“Rússia é culpada de tudo”
Grande parte dos especialistas russos concordam que, após o anúncio dos resultados na quarta-feira, independentemente de o tribunal internacional reconhecer a culpa da Rússia ou não, a opinião pública perceberá o país como culpado pelo incidente.
Segundo o diretor do Instituto Internacional de Pesquisa Político-humanitária, Viatcheslav Igrunov, a culpa da Rússia já foi decidida pela “elite ocidental”.
“E mesmo se o tribunal não definir a Rússia como culpada, eu não acho que os ânimos vão mudar”, prevê Igrunov.
O analista também não acredita que o tribunal pronuncie um veredito contrário, levando em consideração as alegações russas. “Na melhor das hipóteses, será dito que não havia provas suficientes”, continua.
No entanto, é improvável que a Rússia reconheça a jurisdição de qualquer tribunal ao qual o assunto seja levado.
“Irão nos julgar à revelia”, diz Andrêi Suzdaltsev, vice-decano da Faculdade de Economia e Política Mundial na Escola Superior de Economia.
A consequência de qualquer julgamento pode ser ruim para a Rússia, segundo Suzdaltsev, e não apenas politicamente. “Uma sentença pode resultar em apreensão de propriedade estatal russa no exterior”, explica.
“Jamais saberemos a verdade, porque, se a Rússia estivesse envolvida de algum modo nessa catástrofe, tenho certeza que o Ocidente teria feito todo o possível e publicado o material imediatamente, sem esperar por dois anos e meio”, disse o presidente da União Internacional de Especialistas, Aleksandr Gusev, à rádio Kommersant.
Novas sanções
Para Suzdaltsev, o momento de divulgação do relatório foi “infeliz”, pois ocorre em meio à tensões entre Rússia e Ocidente acerca de políticas adotadas na Síria.
“O relatório acidentalmente coincidiu com essa discussão pesada sobre os acontecimentos na Síria: o bombardeio de posições do Exército sírio e da indignação com o comboio de ajuda humanitária destruído, pelo qual a Rússia está sendo responsabilizada”, disse o vice-decano.
Na segunda-feira (26), o ministro das Relações Exteriores britânico Boris Johnson sugeriu a introdução de novas sanções contra a Rússia devido ao bombardeio a um comboio humanitária que seguia para Aleppo em 19 de setembro.
Diversas autoridades em Washington expressaram apoio à posição de Johnson na quarta-feira, após a publicação dos resultados da equipe internacional.
Especialistas russos consideram, porém, improvável a introdução de novas medidas proibitivas, seja pelo incidente na Síria ou pelo caso do voo MH17.
O país vinha sendo amplamente considerado responsável pelo desastre da companhia aérea antes mesmo de os resultados da investigação serem anunciados.
Além disso, depois das rodadas de sanções às quais a Rússia vem sendo submetida por suas ações na Ucrânia, há poucos setores em que seria possível aplicar medidas.
“Até temos respondido com cautela e resguardo às acusações dirigidas a nós – com os atletas às vésperas dos Jogos Olímpicos, por exemplo), sem iniciar um confronto. Taticamente isso é certeiro, mas na prática há problemas. A Rússia é culpada de tudo – e isso está se transformando em um axioma”, conclui Suzdaltsev.
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