Iéltsin (centro) celebra fracasso do golpe, em Moscou
Andrêi Babuchkin/TASSHá exatos 33 anos, em 19 de agosto de 1991, um grupo de conspiradores com cargos de alto nível na KGB e no PCUS (Partido Comunista da União Soviética) autodenominado Comitê Estatal do Estado de Emergência emitiu um alerta aos cidadãos:
“Compatriotas! Cidadãos da União Soviética! Nesta hora difícil e crucial para o destino de nossa pátria e nossos povos, nos voltamos a vocês! Perigo mortal aguarda a nossa grande pátria! A política de reformas que Mikhail Gorbatchov iniciou como forma de garantir o desenvolvimento dinâmico do nosso país e a democratização da sociedade chegou, por uma série de razões, a um beco sem saída. Tomando proveito das liberdades concedidas, desprezando o brotar da democracia, as forças extremistas surgiram e pretendem liquidar a União Soviética, destruir o governo e tomar o poder a qualquer custo.”
Foi a primeira vez que as pessoas ouviram falar no comitê.
O comitê, que tinha sido formado apenas um dia antes, incluía representantes do alto escalão soviético, entre eles o vice-presidente da União Soviética, Guennádi Ianaev, e o então chefe da KGB, Vladímir Kriutchkov.
Ianaev emitiu um decreto nomeando a si mesmo como chefe do governo, com a suposta alegação de que Mikhail Gorbatchov estaria com a saúde debilitada.
Gorbatchov, que preparava um novo projeto de constituição para transformar a URSS em uma confederação, havia sido detido por golpistas durante férias na Crimeia.
Ianaiev (segundo à dir.) na coletiva em que anunciou decisão.
Vladímir Musaelian/TASSO comitê introduziu censura nas transmissões de TV, e os canais foram obrigados a alterar sua programação. No lugar de seus programas habituais, exibiam imagens do ballet “O Lago dos Cisnes”, que até hoje é associado com a data.
A empreitada durou apenas três dias. Os ‘putschists’ (termo alemão para ‘golpistas’), como os membros do comitê foram chamados por aliados do presidente russo Boris Iéltsin, não conseguiram prevalecer sobre o centro de oposição ao grupo, que naqueles dias era a Casa Branca, em Moscou, a sede do governo russo.
Os integrantes do comitê decidiram não invadir o prédio e, nesse meio tempo, a comitiva de Iéltsin foi capaz de trazer Gorbatchov de volta da Crimeia. Todos os oito membros do projeto de conspiração foram presos.
Iéltsin, que havia sido eleito presidente da República Socialista Federativa Soviética da Rússia dois meses antes, foi quem mais ganhou com a tentativa fracassada de golpe. A autoridade de Gorbatchov, seu principal rival político, foi irreversivelmente lesada e, com ela, de toda a administração soviética e da URSS como projeto político.
Os partidários de Iéltsin, incluindo os milhares de moscovitas que foram à Casa Branca para evitar o golpe, perceberam a tentativa de mudar o regime como uma intenção de voltar ao passado, ao período pré-perestroika da União Soviética.
Mas é verdade? O que teria acontecido se o comitê tivesse permanecido no poder?
Moradores se reúniram contra o golpe em frente à Casa Branca
Fedoseev/RIA NôvovstiO cientista político Aleksêi Zudin acredita que esta era uma possibilidade real no momento, porque, quando se deu a tentativa de golpe, o processo de dissolução da União Soviética já havia entrado em um estado irreversível de inércia.
“Mas o sucesso do golpe só teria prolongado a agonia”, afirma Zudin. “Não importa o que os membros do comitê fizessem. As ações de seus membros para manter a União Soviética também estavam fadados ao fracasso”, continua.
Segundo Zudin, o problema da URSS era que, mesmo antes de Gorbatchov subir ao poder, o governo já tinha perdido os objetivos estratégicos para o desenvolvimento do país – objetivos estes antes formados no contexto da ideologia comunista.
“Essas pessoas [a liderança soviética – GR] não acreditavam nos objetivos que estavam proclamando e isso se tornou a principal razão para o colapso [da União Soviética]. A existência do país perdeu significado e objetivo”, acrescenta Zudin.
Opinião semelhante é sustentada por Modest Kolerov, ex-membro da administração presidencial e diretor da agência de informação Regnum.
“O governo central foi destruído durante os últimos anos da perestroika”, diz Kolerov, referindo-se ao período entre 1989 e 1991. Uma série de repúblicas – os Estados bálticos e no Cáucaso – já haviam manifestado o desejo de não permanecer na URSS. “Os golpistas não tinham qualquer programa para transformar o país.”
Há também quem acredite que as chances de sucesso do comitê teriam sido maiores se seus membros tivessem se preparado melhor para tomar o poder. Do ponto de vista militar, as ações em 1991 foram “muito mal executadas”, segundo Dmítri Andreev, historiador e cientista político da Universidade Estadual de Moscou.
“O comitê não tinha um programa”, diz Andreev, ao comentar que, nos pronunciamentos dirigidos ao povo da União Soviética, falava-se em iniciativa privada, democratização e luta contra o crime, entre outros tópicos.
Membro do Conselho de Estratégia Nacional, Víktor Militarev também acredita que o grupo tinha chance de prevalecer, mas, ainda assim, teria conduzido políticas que, por princípio, não seriam diferentes das de Gorbatchov.
“As declarações públicas do comitê soaram como ameaça durante os poucos dias em que estiveram no poder, porque não criavam uma boa imagem. Mas isso não significa que realmente queriam impor uma ditadura. Em essência, queriam a mesma coisa que Gorbatchov [a preservação da URSS – RB]”, explica Militarev.
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