Sem solução, questões políticas atravessam Ano Novo

Derrubada de bombardeiro russo gerou protestos contra Ancara em frente à embaixada turca em Moscou

Derrubada de bombardeiro russo gerou protestos contra Ancara em frente à embaixada turca em Moscou

Aleksandr Vilf/RIA Nôvosti
Campanha na Síria e crise diplomática com Turquia tiveram destaque na política externa do Kremlin. Por outro lado, cúpulas do Brics e da Organização para Cooperação de Xangai abriram novos horizontes para Moscou.

1. Derrubada do bombardeiro Su-24 russo

A Turquia se colocou à frente na resolução da questão síria, após o país ter derrubado um bombardeiro Su-24 russo perto da fronteira sírio-turca em 24 de novembro. Depois do incidente, as relações entre os dois países sofreram sérios danos.

Logo após o ocorrido, começaram as especulações na imprensa internacional  de um possível conflito armado entre a Rússia e a Otan na Turquia, e até mesmo com o bloco como um todo. No entanto, Moscou optou pela imposição de sanções econômicas contra Ancara. A dura reação da Rússia deixa claro que, pela perspectiva de Moscou, as ações da Turquia foram claramente uma provocação planejada.

As circunstâncias do incidente levaram alguns especialistas russos a sugerir até se tratar de um gesto demonstrativo – uma jogada política – por parte da Turquia. “O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, queria, assim, demonstrar que tem punho de ferro – para reforçar sua popularidade entre as massas turcas”, diz a orientalista Elena Suponina, do Instituto Russo de Estudos Estratégicos.

A ordem de Erdogan para abater o Su-24 foi projetado para deixar clara a insatisfação de Ancara com as ações de Moscou na vizinha Síria, acredita Anatóli Kortunov, do Conselho de Assuntos Internacionais da Rússia. Segundo ele, Ancara insiste há algum tempo na criação de uma zona de exclusão aérea sobre a faixa de terra adjacente à fronteira turco-síria habitada por turcomanos.

“Erdogan está tentando se posicionar como o protetor dos turcomanos. Ao derrubar o avião russo, a liderança turca quer mostrar que essas pessoas, independentemente de serem partidários do regime de Assad ou seus opositores radicais, estão sob a proteção da Turquia”, sugere Kortunov.

Segundo os observadores, a Turquia não poderia, no entanto, ter imaginado uma reação tão brusca da Rússia. “Eles não esperavam que Moscou responderia com sanções no domínio econômico”, aponta Suponina.

Como resultado do incidente, “décadas de trabalho duro na construção das relações bilaterais Moscou-Ancara foram por água abaixo em um instante, e restaurá-las, não vai levar semanas ou meses, mas muitos anos”, continua a orientalista.

Além do impacto nas relações russo-turcas, outra questão afetada pelo atual impasse é, segundo os especialistas, a tentativa de criar uma ampla coalizão internacional contra o Estado Islâmico. Se não bastasse as divergência entre as coalizações lideradas pelos EUA e pela Rússia, há de se levar em conta os vários pontos de vista sobre a questão entre os principais intervenientes no Oriente Médio.

2. Início da campanha militar na Síria

A Russian Aerospace Force pilot during a combat mission in Syria. Foto: RIA NovostiOperação russa alterou equilíbrio de forças entre combatentes na Síria Foto: RIA Nôvosti

As primeiras operações das Forças Aeroespaciais russas contra radicais islâmicos na Síria, no final de setembro, pegaram a maioria dos observadores de surpresa. Até agora, não há consenso sobre as razões que levaram à decisão.

Entre os especialistas, três fatores, ou a combinação deles, são apontados: o fracasso das forças de coalizão lideradas pelos Estados Unidos; a tentativa de dar um impulso ao diálogo político sobre a Síria; e o receio de que uma zona de exclusão aérea fosse imposta sobre o território sírio, assim como havia ocorrido na Líbia.

Também supõe-se que a decisão de enviar tropas russas à Síria tenha sido motivada pela situação lastimável em que se encontrava o Exército do país. “Se não fosse pela campanha militar russa, o regime do presidente Bashar al-Assad teria caído antes do Ano Novo. É claro que Assad estava sob grande pressão”, disse à Gazeta Russa o especialista e membro do conselho executivo do Centro PIR, Dmítri Evstafiev.

A derrota de Assad na Síria resultaria no país um cenário de caos e extremismo, que em breve se moveria rumo ao Afeganistão e ao Tajiquistão – cada vez mais perto das fronteiras russas. Esse desenrolar foi contido, mas e então?

A iniciativa militar passou para o lado do regime sírio, com progressos significativos  de Assad e seus aliados. “Há progressos substanciais nas províncias do sul, na região metropolitana de Damasco. E o principal, em termos estratégicos, o território em torno de Aleppo voltou ao controle do presidente”, destacou Evstafiev.

Entre os observadores há consenso de que a atual fase da campanha militar na Síria continuará no mesmo formato até janeiro, com a possibilidade de um ligeiro reforço da presença militar russa. Isso se deve às condições meteorológicas – o início da temporada de tempestades de areia –, que irá dificultar a aviação.

“Este tempo pode ser usado para ativar o processo de resolução política”, diz Anatóli Kortunov, chefe do Conselho para Assuntos Internacionais da Rússia. Os resultados, porém, dependerá muito se os players regionais – os países do golfo Pérsico, Irã e Turquia – estiverem dispostos a assumir compromissos pelo futuro político da Síria.

3. Cúpulas do Brics e da Organização para Cooperação de Xangai

A group photograph of the SCO heads of state, the heads of observer states and governments, and international organisation delegation heads during the Shanghai Cooperation Organization (SCO) summit in Ufa, Russia, July 10, 2015. First row, (L to R) Tajikistan's President Emomali Rahmon, Kyrgyzstan's President Almazbek Atambayev, Kazakhstan's President Nursultan Nazarbayev, Russia's President Vladimir Putin, Chinese President Xi Jinping, Uzbekistan's President Islam Karimov. Second row, (L to R) UN Under-Secretary-General for Political Affairs Jeffrey Feltman, Secretary-General of the Collective Security Treaty Organisation (CSTO) Nikolai Bordyuzha, Director of the Executive Committee of the SCO Regional Anti-Terrorist Structure Zhang Xinfeng, Pakistan's Prime Minister Nawaz Sharif, Indian Prime Minister Narendra Modi, SCO Secretary-General Dmitry Mezentsev, Executive Secretary – Chairman of the Executive Committee of the Commonwealth of Independent States (CIS) Sergei Lebedev, Executive Director of the Conference on Interaction and Confidence Building Measures in Asia (CICA) Gong Jianwei, Secretary-General of the Association of Southeast Asian Nations (ASEAN) Le Luong Minh. Foto: ReutersNovas adesões à Organização para Cooperação de Xangai ampliam esfera de influência russa  Foto: Reuters

As cúpulas do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e da Organização para Cooperação de Xangai foram realizadas em julho na cidade de Ufá, nos Urais.

Durante a reunião entre líderes do Brics foram tomadas medidas para transformar o bloco em uma organização de pleno direito. Os principais resultados do encontro, segundo os especialistas, foram o lançamento efetivo de mecanismos financeiros como o Novo Banco de Desenvolvimento do Brics e um fundo de reservas.

Para Moscou, as resoluções assumiram particular importância, dado ao fato que, por causa das sanções ocidentais, a Rússia tem sido amplamente privada dos mercados de capitais. O Banco do Brics, cujo volume de capital é de US $ 100 bilhões, começará a financiar projetos já em 2016.

Já na reunião da Organização para Cooperação de Xangai, que inclui Rússia, China, Cazaquistão, Tadjiquistão, Quirguistão e Uzbequistão, resultou em uma mudança qualitativa na associação, segundo Topitchkanov. Trata-se da aprovação dos pedidos de adesão à organização apresentadas pela Índia e pelo Paquistão.

De acordo com Aleksandr Lukin, do Centro para Estudos Asiáticos da Mgimo (Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou), isso torna a organização um player global ainda mais poderoso, transformando-o em um “segundo polo não ocidental, eurasiático”. Desse modo, Moscou obteria também uma nova ferramenta para a concretização de seus interesses de política externa.

4. Minsk-2 e o processo de paz na Ucrânia

Belarus' President Alexander Lukashenko (L), Russia's President Vladimir Putin (2nd L), Ukraine's President Petro Poroshenko (R), Germany's Chancellor Angela Merkel (C) and France's President Francois Hollande pose for a family photo during peace talks in Minsk, February 11, 2015. The leaders of France, Germany, Russia and Ukraine began peace talks in Belarus on Wednesday, while in Ukraine pro-Moscow separatists tightened the pressure on Kiev by launching some of the war's worst fighting. Foto: ReutersDescumprimento de acordos impede que EUA e UE suspendam sanções contra Rússia Foto: Reuters

Em meio ao conflito sírio, os problemas no Donbass recuaram para segundo plano. Mesmo assim, a crise ucraniana foi o principal item da agenda da política externa da Rússia durante grande parte de 2015. A expectativa é que no próximo ano a situação não perca relevância, apesar da aparente calmaria atual.

A resolução da crise ucraniana foi perseguida sob o lema da “necessidade de respeitar os acordos de Minsk-2”, alcançados em 12 de fevereiro. Nele, os líderes da Rússia, Alemanha, França e Ucrânia chegaram a acordo sobre as etapas básicas que levariam a um cessar-fogo e o início do processo de paz no sudeste da Ucrânia.

Os combates, porém, continuaram até meados do ano, embora com menor intensidade. Donbass só foi realmente tomado pela paz em setembro deste ano.

Para os especialistas, o cessar-fogo foi possível após os EUA finalmente concordarem em apoiar o processo de Minsk, e a subsequente pressão ocidental sobre Kiev.

“A Rússia conseguiu convencer as potências ocidentais de que a posição de Moscou tinha como objetivo minimizar o conflito, enquanto a da Ucrânia trazia mais dor de cabeça para os EUA e a UE”, disse à Gazeta Russa Iossef Diskin, membro da Câmara Pública da Federação Russa.

Apesar dos últimos desdobramentos, ambos os lados, Kiev e Donbass, continuam a acusar-se mutuamente de violar os acordos de Minsk. Alguns focos de bombardeio foram retomados, mas dessa vez com o uso de armas de pequeno porte.

O grande teste que vai determinar se as partes estão em conformidade com os acordos de Minsk serão as próximas eleições locais no Donbass, em fevereiro de 2016. Embora as eleições locais no resto da Ucrânia já tenham sido realizadas em outubro, as autoridades do Donbass decidiram adiá-las para dar às partes, principalmente a Kiev, tempo de implementar as disposições estipuladas nos acordos de Minsk – em particular, a concessão de maior autonomia para o sudeste da Ucrânia.

No entanto, até agora não houve relatos na impressa sobre qualquer progresso nesse sentido. Isso afasta as perspectivas do levantamento das sanções contra a Rússia, já que os EUA e a UE colocam a aplicação dos acordos de Minsk como a principal condição para o cancelamento das medidas proibitivas.

4. Acordo sobre questão nuclear iraniana

U.K. Ambassador to the U.N. Matthew Rycroft (front row, 2nd R) and other ambassadors from Russia, Spain, and the U.S. vote on a U.N. Security Council resolution at the U.N. headquarters in New York July 20, 2015. The United Nations Security Council on Monday endorsed a deal to curb Iran's nuclear program in return for sanctions relief, but it will be able to re-impose U.N. penalties during the next decade if Tehran breaches the historic agreement. L-R (front row): Vitaly Churkin of Russia, Roman Oyarzun of Spain, Rycroft and Samantha Power of the U.S.. Foto: ReutersParticipação russa nos acordos com Irã foi elogiada por membros ocidentais do Conselho de Segurança da ONU Foto: Reuters

O acordo em torno do programa nuclear iraniano, alcançado em meados de julho, não foi um acontecimento inesperado. Muito do que foi debatido nas conversações em Lausanne, na Suíça, entre o Irã e o G5+1 (membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha) já havia sino definido em abril.

O acordo pressupõe o cancelamento gradual de sanções internacionais impostas ao iranianos. Em troca, Teerã se comprometeu a promover restrições em seu o programa nuclear, que, segundo o Ocidente, teria por objetivo a criação de armas nucleares.

O papel desempenhado pela Rússia para se chegar ao acordo surpreendeu os líderes ocidentais. “Ficamos surpresos como Pútin e o governo russo foram capazes de dividir as duas questões principais – Irã e Ucrânia. Nunca teria chegado a esse acordo, se não fosse a disponibilidade da Rússia para trabalhar em conjunto conosco e com os outros membros do G5+1”, declarou o presidente dos EUA, Barack Obama.

Alguns analistas se perguntaram por que a Rússia estaria apoiando o acordo, uma vez que, após o levantamento das sanções, o mercado mundial seria inundado por petróleo iraniano, derrubando ainda mais os preços da commodity tão importante aos russos.

No entanto, segundo Moscou, os benefícios desse acordo para a Rússia ultrapassam as possíveis desvantagens. “A Rússia precisa do Irã como parceiro estratégico”, afirma Dmítri Evstafiev, do Centro PIR.

Entre os benefícios, Piotr Topitchkanov, do Centro Carnegie de Moscou, acredita que o levantamento das sanções contra Teerã será valioso sobretudo no âmbito da cooperação técnico-militar (com potenciais contratos estimados entre US$ 20 e 70 bilhões) e no uso pacífico de tecnologia nuclear.

Além disso, Teerã e Moscou também estão conectados por seu envolvimento ativo na crise síria e no apoio a Assad. “A suspensão das sanções irá conferir legitimidade ao Irã tanto na região, como na arena internacional”, arremata Kortunov.

 

 

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