Carro usado na fuga já era visto nos arredores da casa do político desde setembro do ano passado Foto: Reuters
Novos detalhes sobre o assassinato do líder da oposição Boris Nemtsov levantam dúvidas sobre a hipótese de “conspiração islâmica” aventada durante a investigação. Segundo esta versão, Nemtsov teria sido morto por radicais islâmicos russos devido ao apoio dado à publicação francesa “Charlie Hebdo”, que havia publicado uma charge envolvendo o profeta Maomé.
Nesta semana, o jornal russo “Moskovski Komsomolets” teve acesso a vídeos nos quais fica evidente que o carro usado na fuga já era visto nos arredores da casa do político desde setembro do ano passado, ou seja, antes da tragédia da revista francesa.
O jornal sugere ainda que o assassinato já vinha sendo planejado desde agosto de 2014 por “mercenários chechenos”, que estariam também lutando no sudeste da Ucrânia.
Religioso, mas não fundamentalista
Até o momento, o principal argumento de apoio à tese da motivação religiosa está na confissão do acusado Zaur Dadaev, ex-agente das forças de segurança do Ministério da Justiça russo que assumiu a culpa pela organização e execução do assassinato.
Além disso, o chefe das forças de segurança do ministério, Vassili Pachenkov, afirmou à imprensa que Dadaev havia pedido demissão em 28 de fevereiro, isto é, no dia seguinte ao assassinato de Nemtsov.
O acusado estava de férias dias antes do crime, o que levou os investigadores a acreditar que o assassinato fora planejado durante esse período. No processo ainda figuram outro quatro acusados – todos eles parentes ou amigos de Dadaev.
Três deles foram detidos durante uma operação especial conduzida na Tchetchênia, e o quarto envolvido se matou no momento da detenção, explodindo contra si uma granada de mão.
No entanto, dias depois, Dadaev contradisse o depoimento anterior, afirmando que o fez para beneficiar um amigo que estava detido junto com ele. O jornal “Moskovski Komsomolets” confirma esta versão, explicando que Dadaev confessou o crime somente para liberar seu amigo.
Paralelamente, ativistas de direitos humanos receberam denúnicas dos outros réus, que vêm sofrendo tortura para confessar o crime.
Os parentes de Dadaev também negam que os réus teriam qualquer motivação religiosa para cometer o crime. “Zaur era religioso, mas não fundamentalista”, afirmou sua mãe à agência de notícias RBK.
Conflito político interno?
Segundo o pesquisador-chefe do Instituto de Economia Mundial e Relações Internacionais, Gueôrgi Mírski, a investigação foca em uma possível “conspiração islâmica”, pois “esta é a versão mais conveniente, não há rastros e há mandatários, e o motivo é evidente”.
“Mas eu não acredito que estas pessoas eram tão sensíveis a tais ofensas à sua religião. Nemtsov falava muito pouco sobre essas coisas”, disse Mírski à Gazeta Russa.
“Ambas as versões oficiais – intolerância religiosa e crime premeditado – baseiam-se na ideia de que o Serviço Federal de Segurança [FSB, na sigla em russo] nada sabia sobre isso”, afirma o jornalista Oleg Kashin, que, depois de sofrer um ataque em 2010, emigrou para Suíça.
“É difícil imaginar que os serviços de inteligência não tinham conhecimento de uma operação dessas. Lembrem-se que o líder tchetcheno Ramzan Kadírov vem sendo duramente criticado pelos serviços de segurança. É mais fácil acreditar no papel deliberadamente passivo da FSB, para permitir que depois houvesse a possibilidade de enfrentar Kadírov oficialmente.”
O analista político independente Stanislav Belkovski corrobora a versão sugerida pelo jornalista.
“Pela primeira vez durante toda a administração pública surgiu um conflito sistêmico, oficial e agudo entre Kadírov e agentes federais”, diz. “Agora, as forças de segurança estão tentando convencer o público de que os assassinos são do círculo íntimo do líder tchetcheno.”
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