Dias difíceis para os ‘inimigos’

Naválni foi também envolvido no roubo de mais de US$ 750 mil da empresa Yves Rocher, e atualmente está em prisão domiciliar Foto: Photoshot/Vostock-Photo

Naválni foi também envolvido no roubo de mais de US$ 750 mil da empresa Yves Rocher, e atualmente está em prisão domiciliar Foto: Photoshot/Vostock-Photo

Há dois anos, Moscou foi palco da chamada Marcha dos Milhões, uma ação de protesto na véspera da posse de Vladímir Pútin que terminou em confronto violento entre manifestantes e a polícia. Os acontecimentos na Praça Bolotnaia, no centro da capital, encerraram o período de florescimento da oposição, e a disposição para apoiar ou participar de protestos caiu até o mínimo desde o colapso da URSS.

Depois da Marcha dos Milhões, começou um processo judicial sem precedentes na história da Rússia moderna, o chamado “Caso do Pântano”. Apesar de uma comissão internacional independente, composta por representantes da Anistia Internacional e do Human Rights Watch, confirmando que “a violência e a violação da ordem foram, em grande parte, causadas por ações das autoridades e, especialmente, da polícia”, apenas os manifestantes foram julgados.

As acusações, apresentadas contra 27 participantes do movimento, foram variadas – e, por vezes, sem fundamento. Por exemplo, o jovem Iaroslav Belousov, 23 anos, foi condenado a 2,5 anos de prisão em uma acusação exclusivamente baseada no depoimento da polícia e em um vídeo no qual lança um limão na multidão.

Além dos manifestantes que participavam do grupo da oposição, também aguardam decisão do tribunal os líderes do movimento Frente de Esquerda, Serguêi Udaltsov e Leonid Razvozjaev. A investigação, que começou em 2012 após o lançamento do filme “Anatomia de um protesto 2”, parte do pressuposto de que ambos tinham o objetivo de tomar o poder e, por isso, prepararam os protestos juntamente com o ativista de esquerda Konstantin Lebedev e o político georgiano Givi Targamadze.

Lebedev, que no meio da oposição é considerado um traidor, reconheceu sua culpa, fez um acordo com o comitê da investigação e testemunhou contra os seus antigos parceiros. Condenado a 2,5 anos da prisão, o ativista acabou sendo liberado antes mesmo de cumprir metade da sentença.

Pouco tempo depois, na metade de 2013, foi a vez do blogueiro anticorrupção Aleksêi Naválni, que foi condenado a cinco anos de prisão sob alegação de roubo de propriedade da madeireira estatal Kirovles. Quando até Pútin qualificou o veredito como “estranho”, o blogueiro recebeu liberdade condicional. Mas isso não foi tudo.

Nesse meio tempo, Naválni foi também envolvido no roubo de mais de US$ 750 mil da empresa Yves Rocher, e atualmente está em prisão domiciliar – sem poder usar internet, telefone ou qualquer tipo da comunicação com pessoas que não sejam da família  ou advogados.

“A suavidade do tratamento concedido a Naválni, em contraste com aquele destinado aos acusados do ‘Caso do Pântano’, afasta o blogueiro da massas comum de manifestantes”, aponta Aleksandr Pojalov analista Instituto de Estudos Sócio Econômicos e Políticos. Observadores alegam, contudo, que o tratamento diferenciado faz parte de uma ampla campanha para desacreditar o ativista.

Repressão ou sintonia? 

Ao longo do tempo, o governo russo também adotou uma legislação mais restritiva. Nela, apareceram requisitos adicionais para a realização de manifestações, além do aumento de multas por violações ocorridas durante as manifestações.

Essas medidas teriam sido necessárias para restaurar a ordem e “garantir uma vida tranquila ao resto dos cidadãos”, justifica um dos autores desses projetos de lei, o deputado Andrêi Krasov.

Em fevereiro deste ano, também entrou em vigor uma lei que autoriza o bloqueio dos sites usados com o objetivo de fazer “propaganda dos tumultos”, sem a necessidade de investigação judicial. Embora tenha sido alvo de críticas da oposição, a medida “não é dirigida contra a oposição, mas contra o extremismo e a propaganda de atividades terroristas na internet”, alega o representante do Serviço Federal de Supervisão das Comunicações, Vadim Ampelonski. 

“Hoje em dia, a situação da oposição não é das melhores”, reconhece um dos líderes da ala liberal, Boris Nemtsov. “Muitos de nossos amigos estão na prisão, parte das pessoas está sendo processada, e alguns emigraram.”

Além disso, o Conselho Coordenador da oposição russa, criado em outubro de 2012, entrou em colapso depois de menos de um ano da sua criação, pois seus membros brigaram entre si. “A oposição deixou de existir como força política organizada porque a aconteceu a divisão das várias forças políticas”, explica o político de esquerda e deputado da Duma, Iliá Ponomarev.

As bandeiras levantadas pela oposição russa, como eleições justas, medidas contra a corrupção e a favor de reformas eleitorais, foram incialmente apoiados por grande parcela da população. “Mas isso até o momento que o Kremlin começou a agir e apareceu a teoria da ‘mão do Ocidente’ e ‘agente estrangeiro’”, analisa o sociólogo Lev Gudkov.

“O golpe das acusações do Kremlin neutralizou a nitidez dos slogans promovidos pela oposição”, continua Gudkov, “e em algum momento, a opinião pública começou a obedecer mais ao Kremlin e resolveu ficar do seu lado”.

 

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