O abismo político entre gêneros

Uma das maiores apostas entre as políticas russas, Valentina Matvienko é presidente do Conselho da Federação Foto: ITAR-TASS

Uma das maiores apostas entre as políticas russas, Valentina Matvienko é presidente do Conselho da Federação Foto: ITAR-TASS

Baixa representação feminina na política russa, comparável à da Suazilândia, sugere necessidade de aprovação de lei de cotas, barrada duas vezes no país.

Conhecida como um país patricarcal, a Rússia tem menos de 14% dos cargos de deputados da Duma de Estado ocupados por mulheres. Em nível federal, sua representação é ainda menor: apenas 6%. 
De acordo com a União Interparlamentar, organização internacional para mediação multilateral entre os órgãos de países soberanos, em 2012 a Rússia teve uma das piores colocações no ranking de participação feminina na política, ficando em 96° lugar, junto à Suazilândia, com apenas 13 senadoras de um total de 163.

Além de seu número reduzido, as mulheres engajadas na política russa não são retratadas como figuras com grande influência, e nunca na história uma delas foi listada no ranking das mulheres mais poderosas do mundo da revista “Forbes”.

Para a cientista política e ex-membro do partido governista Rússia Unida Olga Krichtanôvskaia, o machismo na sociedade russa origina-se dos baixos níveis de participação política das mulheres. Segundo ela, os políticos de alto escalão apenas “permitiram” que algumas mulheres bonitas e sem opinião própria ingressassem na política para servir de fantoches.
Mas líderes femininas começam a surgir no país, acredita Krichtanôvskaia. Um exemplo é a ex-ministra do Desenvolvimento Econômico Elvira Nabiúllina, que foi escolhida por Pútin neste ano para dirigir o Banco Central da Rússia.

Presidente machista?

O país nunca teve uma primeira-ministra ou presidente do sexo feminino, mas essa possibilidade não está fora de questão, e as maiores apostas caem sobre a política Valentina Matvienko. 
Ex-governadora da unidade federativa de São Petersburgo, Matvienko preside atualmente o Conselho da Federação (câmara alta do Parlamento russo,) e se tornou a terceira figura política mais importante do país, atrás apenas de Pútin e do primeiro-ministro Dmítri Medvedev. Além disso, é conhecida por seu estilo de gestão prática e lealdade ao Kremlin.

Segundo Krichtanovskaia, porém, a atual presidência tem atitudes machistas. “[Pútin] tende a pensar que lugar de mulher é na cozinha”, afirma.

De acordo com pesquisa de 2011 do VTsIOM (Centro Nacional de Pesquisas de Opinião Pública), 14% dos russos acreditam que o país tenha mulheres demais na política, enquanto 37% dizem que esse número deixa a desejar, e 33% defendem a permanência da situação atual. Além disso, metade dos entrevistados apoiam a ideia de criar cotas para as mulheres na política, contra apenas 5% que se opõem à iniciativa. 
Atualmente, nenhum partido político de destaque apoia os direitos das 
mulheres no país. Mas nem sempre foi assim. Logo após a queda da União Soviética, surgiu o Partido das 
Mulheres da Rússia, que inicialmente teve certo sucesso nas urnas, com 8,1% dos votos e 23 assentos na Duma nas eleições de 1993.

Apesar disso, a agremiação não faz mais parte do cenário político russo. No ano passado, porém, o Ministério da Justiça registrou o novo Partido para as 
Mulheres da Rússia, que objetiva à igualdade de gêneros. O partido já tem cerca de 100 mil membros e, segundo seu programa, defende a “restauração dos valores familiares”.

Contrafeminismo

O movimento feminista ocidental não chegou às soviéticas. Mesmo após a queda do comunismo, o feminismo não ganhou terreno na Rússia, mantendo-se marginalizado. Há, entretanto, apelos para a implementação de cotas para mulheres na política. A deputada Elena Mizúlina, idealizadora da chamada “lei antigay”, é uma das promotoras da ideia. 

Krichtanôvskaia, no entanto, não concorda com as cotas. “Os homens russos estão morrendo em ritmo acelerado”, explica. O número de mulheres no país atualmente supera em 10 milhões o de homens: enquanto as primeiras somam 76 milhões, eles são em cerca de 65 milhões. Já a taxa de mortalidade feminina foi quase a metade da masculina em 2010: de 8,7 mulheres contra 17 homens (por milpessoas), de acordo com o VTsIOM.
A conselheira presidencial para assuntos sócio-econômicos envolvendo países da CEI (Comunidade dos Países Independentes), Tatiana Golikova, defende o estabelecimento das cotas. 

“A Rússia não tem qualquer legislação de igualdade entre os gêneros nem temos quaisquer mecanismos reais para evitar a discriminação de gênero”, disse em 2011, quando ainda era ministra da Saúde, à alta comissária das Nações Unidas, Navanethem Pillay, ao anunciar a preparação de um projeto de lei sobre igualdade de gêneros. O projeto foi colocado de lado. 

Ainda em 2003, uma lei semelhante foi barrada no Executivo depois de aprovada pela Duma.

A credibilidade da ala política feminina com o eleitorado também é prejudicada por uma cobertura machista na imprensa. A blogosfera e os veículos tradicionais focam exageradamente na aparência física e nos casos amorosos das políticas russas.

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