De acordo com embaixador brasileiro na Rússia, Carlos Paranhos, governo sírio tem obrigação formal de proteger direitos humanos Foto: Ruslan Sukhuchin
Apesar de ter uma posição similar às dos outros países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o Brasil “defende não ser possivel igualar as responsabilidades do governo e da oposição pelas violações dos direitos humanos cometidas durante o conflito”, disse o embaixador brasileiro Carlos Paranhos em entrevista exclusiva à Gazeta Russa:
Gazeta Russa: Quais foram, na sua opinião, os principais resultados da cúpula dos Brics em Durban?
Embaixador: Um dos principais resultados da Cúpula de Durban foi a decisão de se criar, no futuro próximo, um “Banco de Desenvolvimento do Brics”, para financiar projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável nos próprios países Brics e em outros países em desenvolvimento.
Outro importante resultado obtido foi a criação de um “Arranjo Contingencial de Reservas”, com capital inicial de US$ 100 bilhões e com potencial para US$ 4,5 trilhões. São dignos de nota também a anunciada criação do Conselho Empresarial do Brics (a ser composto por 25 representes, cinco de cada país), o estabelecimento de um Consórcio de Think-Tanks e a decisão de seguir examinando a criação de uma “Agência de Rating do Brics”, inicialmente, para avaliar instituições acadêmicas.
Além disso, vale registrar a convergência de posições sobre os mais diversos temas da agenda internacional, em particular sobre a necessidade urgente de reformar a arquitetura financeira internacional.
GR: A ideia de um banco dos Brics tem futuro?
Embaixador: Como um dos principais resultados da Cúpula de Durban, a decisão de criar, no futuro próximo, um “Banco de Desenvolvimento do Brics” é plenamente viável política e economicamente, e continua sendo uma das prioridades dos cinco países participantes do grupo. Para avançar na implementação do projeto, reconhecemos que são necessários estudos técnicos adicionais. As áreas especializadas dos governos dos países Brics estão engajadas nesse processo.
GR: Quanto às relações bilaterais Brasil-Rússia, é certo dizer que a carne é o principal, senão único produto da pauta de exportação brasileira?
Embaixador: A carne é o principal, porém não é o único produto da pauta exportadora para a Rússia. O agronegócio brasileiro exporta para a Rússia, além das carnes (bovina, de frango e suína), outros produtos como açúcar, café, cereais, soja, óleos comestíveis, frutas, nozes, castanhas, rações para animais e outros produtos de origem animal.
As carnes, especialmente a carne bovina, ao lado do açúcar, são os principais produtos exportados. Nos últimos 5 anos, mais de 80% das exportações brasileiras para a Rússia concentraram-se nos itens carnes e açúcar.
GR: O levantamento do embargo russo a alguns Estados brasileiros tem grande impacto sobre o país?
Embaixador: Pela importância das carnes na relação comercial Brasil-Rússia, qualquer restrição imposta a estabelecimentos tem impacto sobre nossas exportações. Em 15 de junho de 2011, o Rosselkhoznadzor decidiu aplicar restrições temporárias ao fornecimento de carne de plantas de três Estados brasileiros: Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso.
A medida afetou com maior intensidade as exportações de carne suína, uma vez que a Rússia é o maior mercado de destino das exportações brasileiras de suínos. De forma a atender à demanda das autoridades sanitárias russas (Rosselkhoznadzor), o Serviço veterinário brasileiro adotou novos controles e ampliou as garantias.
Em março último, o Rosselkhoznadzor reabilitou, pela primeira vez desde a decretação do embargo, duas plantas exportadoras localizadas no Estado do Paraná. Essa foi uma boa notícia. Espera-se que com a realização de nova missão de inspeção russa ao Brasil, ainda no primeiro semestre deste ano, sejam liberados brevemente outros estabelecimentos.
GR: Como anda a cooperação bilateral nos preparativos para grandes eventos esportivos como a Copa e as Olimpíadas?
Embaixador: Durante a visita da presidenta Dilma Rousseff à Rússia em 2012, foi assinado o Memorando de Entendimento entre Brasil e Rússia sobre Cooperação em Matéria de Governança e Legados Relativos à Organização de Jogos Olímpicos e Paralímpicos e Copas do Mundo Fifa, complementado pela assinatura de Plano de Ação durante a visita do primeiro-ministro Medvedev ao Brasil, em fevereiro último.
Os documentos ressaltam a importância do legado socioeconômico resultante da realização dos megaeventos esportivos no Brasil e na Rússia e expressa o desejo de ambos os países em compartilhar suas experiências por meio de mecanismos de cooperação entre os órgãos governamentais competentes.
GR: Há algum tipo de intercâmbio de especialistas, tecnologias?
Embaixador: O Plano de Ação prevê o intercâmbio de especialistas em diversas áreas, como treinamento desportivo, nutrição, fisiologia e controle de dopagem, e a troca de informações sobre o campo teórico das tecnologias ligadas à área esportiva, o que envolveria a participação de universidades.
No plano governamental, a Autoridade Pública Olímpica (APO) manifestou interesse em instituir um Programa de Observadores Governamentais, por meio do qual representantes de instâncias governamentais envolvidas na organização dos Jogos Olímpicos de 2016 realizariam missões técnicas à Rússia para conhecer a preparação do país para os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, em Sochi. Programa similar foi instituído com êxito durante a preparação para os Jogos Olímpicos em Londres, em 2012.
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GR: Como andam as negociações para compra pelo Brasil dos sistemas antimíssil Panzir-M?
Embaixador: Durante a visita do primeiro-ministro Medvedev em fevereiro deste ano, foi assinado com o lado russo um protocolo de intenções para compra desses equipamentos. Como passo seguinte, o lado brasileiro criou um grupo de trabalho para definir questões técnicas e de financiamento.
GR: O Su-35 tem alguma chance na licitação brasileira de caças que já se arrasta há anos?
Embaixador: O resultado final da licitação obedecerá à regra de escolha de um dos finalistas da “short list” composta por Estados Unidos, França e Suécia. Isso não impede que Brasil e Rússia negociem a possibilidade de aquisição ou mesmo desenvolvimento conjunto, no futuro, de caças de 5ª geração.
GR: Qual a posição oficial brasileira quanto à questão síria?Pode-se dizer que há consenso entre os Brics sobre a situação no país?
Embaixador: Assim como todos os outros países Brics, o Brasil manifesta profunda preocupação com a atual situação na Síria e apela pela cessação imediata de toda violência e violações de direitos humanos. Defendemos que o tratamento da crise se dê por meios pacíficos que encorajem amplos diálogos nacionais, refletindo as legítimas aspirações de todos os setores da sociedade síria e o respeito à independência, à integridade territorial e à soberania daquele país. O objetivo compartilhado pelos países Brics é o de facilitar um processo político inclusivo conduzido pelos sírios.
Assim, a despeito de nuances em suas posições, os países Brics favorecem uma solução política do conflito, mediante negociações e diálogo abrangente para a transição política na Síria, à luz do Comunicado do Grupo de Ação de Genebra, celebrado em junho de 2012. Os países Brics rejeitam o recurso à alternativa militar para buscar superar a crise síria.
Não obstante a posição brasileira ser similar às visões dos outros países Brics, o Brasil defende não ser possivel igualar as responsabilidades do governo e da oposição pelas violações dos direitos humanos cometidas durante o conflito, uma vez que ao governo recai a maior responsabilidade, por ter a obrigação formal de proteger os direitos humanos, embora se reconheça que setores da oposição também cometam violações.
GR: Como se poderia classificar as relações bilaterais Brasil-Rússia no âmbito cultural?
Embaixador: As relações na área cultural são muito boas e podem melhorar muito nos próximos anos. A cooperação entre os dois países nessa área está regulamentada por um acordo assinado em 1997. Há alguns acordos em negociação que possuem grande potencial para estreitar os laços culturais entre os dois países: o “Acordo para a Celebração dos Dias da Cultura Russa no Brasil e dos Dias da Cultura Brasileira na Rússia”, o “Acordo sobre o Estabelecimento Recíproco de Centros Culturais” e o “Acordo de Co-produção Audiovisual”.
Desde o ano 2000, a Escola do Teatro Bolshoi em Joinville, única filial daquela instituição fora da Rússia, vem contribuindo para estreitar os laços bilaterais na área cultural. Destaca-se também o pioneirismo da bailarina profissional brasileira Mariana Gomes, que em 2005 tornou-se a primeira estrangeira a ser contratada no corpo de baile do Balé Bolshoi em Moscou.
GR: Pode-se dizer que a cultura brasileira tem grande presença na Rússia? Quais os projetos do Brasil para o futuro, quais as principais ações já em andamento?
Embaixador: Tradicionalmente, a cultura brasileira esteve presente na Rússia principalmente pela música, pela literatura (por exemplo, por meio de autores como Jorge Amado) e pelas telenovelas, sempre muito populares.
Nos últimos anos, a Embaixada do Brasil vem realizando eventos para divulgar ainda mais a cultura brasileira na Rússia: na música clássica e popular, nas artes plásticas, na dança, na gastronomia e também no cinema, com os já tradicionais Festivais de Cinema Brasileiro em Moscou e São Petersburgo.
É importante destacar também o restabelecimento, em 2013, do leitorado brasileiro na Universidade Estatal de Moscou (MGU). A partir de setembro, o leitor assumirá suas funções naquela universidade, onde deverá permanecer por até quatro anos.
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GR: A isenção de vistos para turismo entre Brasil e Rússia elevou o fluxo turístico entre os países?
Embaixador: Desde 2010, a isenção de vistos certamente ampliou o fluxo bilateral de turistas, além de facilitar as viagens dos empresários dos nossos países. O passo seguinte será iniciar voos diretos entre o Brasil e a Rússia. Os dois países têm discutido maneiras para avançar nessa área. Esperamos avanços significativos no curto e médio prazo.
Em termos de quantidade, segundo dados do governo russo, o número de turistas brasileiros na Rússia mais que dobrou em um espaço de quatro anos. Passou de 15.540, em 2009, para 33.647, em 2012. Segundo dados do governo brasileiro, por sua vez, o número de turistas russos no Brasil também cresceu bastante: de 10.038, em 2009, para 22.355, em 2011. Há espaço para maior crescimento dos dois lados, com certeza.
GR: Na sua opinião, os Brics podem se tornar um centro de influência de geopolítica comparável aos EUA e à União Europeia? Acredita que isso possa acontecer em um futuro próximo?
Embaixador: Prever o papel do agrupamento Brics no cenário internacional do futuro é uma tarefa analítica complexa, que requer a definição de parâmetros precisos. Diferentemente dos EUA e da União Europeia, o Brics não tem as prerrogativas de um país ou organismo supranacional.
O Brics é um mecanismo de coordenação e cooperação sem estrutura rígida e sem pretensões de se tornar um bloco ou aliança política, em sentido estrito. Entretanto, parece razoável supor que, atuando em conjunto nos temas de interesse mútuo, como no que se refere à reforma das estruturas de governança mundial, o Brics terá de ser ouvido com mais atenção no processo negociador. Em suma, o peso geopolítico crescente do Brics no plano internacional é resultado da própria expansão das economias emergentes.
GR: Muitos outros países aventam a possibilidade de integrar os Brics, como Egito, Argentina, Vietnam... Qual sua opinião sobre isso?
Embaixador: O interesse demonstrado por esses países é indicativo da relevância internacional que o agrupamento Brics adquiriu desde sua criação em 2009. O Brics congrega as principais economias emergentes do mundo e países com projeção política global para tratar dos principais desafios internacionais. Por ora, os países Brics preferem a consolidação do agrupamento com os atuais cinco membros, mas não excluem a possibilidade de diálogo com outros países e organismos, sempre que oportuno.
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