A morte de Berezóvski e o discreto charme da “Rússia enfraquecida”

Boris Berezóvski Foto: Reuters

Boris Berezóvski Foto: Reuters

No final dos anos 1990, um sábio cientista político disse-me o seguinte: pessoas como Berezóvski precisam de uma Rússia fraca, uma Rússia sem um poder forte, seja ele do próprio país ou estrangeiro.

Boris Berezóvski faleceu no último dia 23 na Inglaterra.

A julgar pelas notícias veiculadas na mídia, o mais provável é que a morte foi provocada por um ataque cardíaco fulminante.

O infarto, entre os outros motivos, foi consequência de um estado geral depressivo, que se agravou ao longo do último ano, desde que perdeu uma ação judicial contra o ex-sócio Roman Abramovich.  

Berezóvski pertencia a uma estirpe de pessoas que não gosta e não sabe perder. Para elas, viver significa vencer.

Entretanto, para esse emigrante londrino, os últimos anos foram marcados por uma série de derrotas.

Ele foi definitiva e incondicionalmente arrasado por Pútin.

Todas aquelas pessoas a quem ele ajudou financeiramente na Rússia, ou passaram para o lado do vencedor, ou afastaram-se, ou passaram dessa para melhor.

Nas esferas liberais, nunca conseguiram perdoar-lhe as investidas da mídia sobre a equipe dos “jovens reformistas”, nem as demasiadamente obscuras relações com os rebeldes tchetchenos.

Também malograram todos os esforços de Berezóvski na CEI (Comunidade dos Estados Independentes): a “Revolução Laranja” patrocinada por ele terminou em fiasco e a principal beneficiária das suas transfusões financeiras, Iúlia Timochenko, encalhou irremediavelmente na cadeia.

Contudo, é impossível explicar o acontecido apenas com a psicologia. Trótski, com quem muitos comparam o ex-diretor da LogoVAZ, também não sabia perder e, no entanto, lutou com Stálin até o fim, até o último suspiro.

Podemos mencionar um exemplo mais recente –Khodorkovski. As circunstâncias de sua de vida são muito mais complicadas, além disso, ele obviamente perde para Berezóvski no que diz respeito ao temperamento político, no entanto, hoje ele não causa a impressão de ser uma pessoa abatida psicologicamente.

Vamos dizer que Trótski lutava pela Rússia –a vanguarda da revolução mundial.

Seria possível dizermos, com o mesmo grau de certeza, por qual tipo de Rússia Berezóvski lutou?

Se tivéssemos apresentado a simples tese de que ele não possuía nenhum tipo de ideal, tinha apenas interesses, simplificaríamos demasiadamente a imagem do falecido. Penso que ele mantinha guardado em seu coração o seu próprio sonho em relação à Rússia.

No final dos anos 1990, um sábio cientista político disse-me o seguinte: pessoas como Berezóvski precisam de uma Rússia fraca, uma Rússia sem um poder forte, seja ele do próprio país ou estrangeiro.

Somente em um país tão frouxo, semifederativo, que está se desintegrando, elas podem conduzir os seus negócios sem perigo.

A melhor opção para essas pessoas seria a transformação da Rússia em um tipo de Chipre Euroasiático –um país irremediavelmente dividido em duas metades, com baixos impostos e com estruturas governamentais não muito eficazes.

Até bem pouco tempo, precisamente até a crise financeira em Chipre, Berezóvski, pelo menos, podia ter a esperança de que, seja lá quão moralmente deficiente fosse o seu ideal de “Rússia fraca”, esse ideal seria repartido com ele por milhares de empresários russos, que buscavam um refúgio para os seus capitais na ilha do Mediterrâneo. 

O mundo dos negócios vota com seu dinheiro e economias a favor desse sistema de Estado mínimo, que encontrou uma tão bela personificação nesse paraíso fiscal ortodoxo-grego. 

É claro que de nenhuma maneira quero vincular a morte súbita de Berezóvski e o seu misterioso arrependimento à decisão da União Europeia de impor uma ordem aos depósitos russos em Chipre.

Mesmo assim, apesar de tudo, estou certo de que para uma pessoa como Berezóvski, esse acontecimento poderia se configurar em um diagnóstico definitivo para o seu ideal de “Rússia fraca”, sentenciado pela história.

Berezóvski não era querido, tinham medo dele, mas também viam nele o ideal de milhares de pessoas na Rússia dispostas a aventurar-se (no bom sentido). Agora, juntamente com Berezóvski, todas essas pessoas entenderam que nos anos 1990 elas cometeram um erro fatal, sucumbiram ao charme da “Rússia enfraquecida”.

Agora, o mundo dos negócios na Rússia precisa de novos e corajosos heróis. São necessários aventureiros que estejam prontos para construir uma Rússia “forte e soberana”, na qual, no entanto, deve sobrar lugar tanto para a iniciativa econômica como para a competição política.

Essa classe, que apesar de todos os riscos envolvidos, está pronta para trazer o dinheiro de volta para o seu próprio país, é que será a real infraestrutura que servirá de fundamento para um futuro capitalismo russo, com orientação nacional.

Publicado originalmente pelo Izvéstia

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