Daguestão: troca de líderes ou da política?

Ramazan Abdulatipov Foto: abdulatipov.ru

Ramazan Abdulatipov Foto: abdulatipov.ru

Nomeação de novo governador para maior república no Cáucaso Setentrional sugere grandes mudanças para manter a estabilidade na região.

Na última segunda-feira (28), o político daguestanês de longa data Ramazan Abdulatipov foi indicado pelo presidente Vladímir Pútin para substituir Magomedsalam Magomedov no cargo de governador do Daguestão. A notícia logo se tornou um dos assuntos mais discutidos da política interna russa, afinal, o Daguestão é a maior e a mais populosa república russa no Cáucaso Setentrional e tem um papel fundamental para a estabilidade de toda a região.

Às vésperas dos Jogos Olímpicos de Inverno em Sôtchi, esse problema tem especial relevância para o país. A desestabilização do Cáucaso Setentrional colocaria em dúvida não só a escolha dessa cidade como sede Olimpíadas de Inverno de 2014, como também a legitimidade do Estado russo.

O Daguestão mantém há vários anos a liderança em número de atos de terrorismo e subversão entre as repúblicas federadas do Cáucaso Setentrional. Em 2011, no Daguestão, 413 pessoas morreram e 411 ficaram feridas durante atos de violência armada. Embora em 2012 o número de vítimas tenha diminuído cerca de 15%, o Daguestão continua encabeçando a lista das regiões mais perigosas do país. Em janeiro deste ano, por exemplo, o juiz do Supremo Tribunal Regional, Magomed Magomedov, foi assassinado após ter julgado o processo sobre o atentado terrorista durante o desfile militar comemorativo do Dia da Vitória, em 9 de maio, na cidade daguestanesa de Kaspiisk.

A nomeação de Ramazan Abdulatipov foi precedida de intensas discussões na imprensa. No entanto, nem o Kremlin nem o governo federal comentaram os boatos sobre a eventual remoção de Magomedsalam Magomedov do cargo de governador do Daguestão, gerando assim novos boatos e interpretações.

Na verdade, não é totalmente clara a razão por que o Kremlin decidiu trocar o governo do Daguestão, já que seu mandato como governador terminaria apenas em fevereiro de 2015. Paralelamente, Magomedov foi nomeado vice-chefe do Gabinete da Presidência, assumindo um cargo em nível federal. Diante disso, por que o novo governador do Daguestão se dá o direito de criticar o governo anterior e já prometeu demitir o primeiro-ministro da região e todo a administração de seu antecessor? Essa pergunta é oportuna.

Já nas primeiras horas à frente do Daguestão, Abdulatipov começou a criar na população local expectativas exageradas, dizendo que conseguirá minimizar o nepotismo e corrupção na política , bem como fazer frente ao crime organizado e ao terrorismo. Mas não foi ontem nem no ano passado que a turbulência política teve início na região. Os problemas sociais e políticos da maior república federada da Rússia no Cáucaso Setentrional foram se acumulando ao longo de anos.

Muitas dessas questões, tais como o superpovoamento, escassez de terrenos e a migração para regiões vizinhas, foram provocadas pelas características da política de modernização e urbanização no Cáucaso Setentrional e pela crise da tradição rural do “país das montanhas” (tradução livre da palavra “Daguestão” em português).

Seja como for, um dos pontos positivos do novo governador do Daguestão é ele estar melhor integrado ao estabelecimento político russo do que seus antecessores.Embora Abdulatipov tenha nascido no Daguestão, sua ascensão política se deu fora dessa república. Desde 1988, quando Abdulatipov foi admitido no departamento de Relações Étnicas do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, ele nunca deixou a cena política russa.

Deputado do Soviete Supremo da República Socialista Federativa Soviética da Rússia (nome dado à Rússia quando era uma das 15 repúblicas que compunham a URSS), presidente do Conselho das Etnias (uma das duas câmaras iguais do parlamento da Rússia Soviética) do Soviete Supremo da Rússia, deputado da Duma de Estado (Câmara Baixa do parlamento russo), vice-primeiro-ministro e ministro de Estado, senador do Conselho da Federação (câmara alta do parlamento russo) e embaixador da Rússia no Tadjiquistão, Abdulatipov nunca perdeu contatos nem laços com sua terra natal.

Em 1991, o atual governador participou também da resolução na disputa étnica entre os tchetchenos e os avares no Daguestão e foi presidente da comissão parlamentar para a libertação de reféns e a busca dos desaparecidos durante o conflito armado na Tchetchênia.

Em outras palavras, Abdulatipov conhece muito bem a região mas, por outro lado, está fora das relações existentes entre os clãs locais. Como resultado, o novo líder do Daguestão não tem sua equipe. Em circunstâncias caucasianos, isso deixa qualquer líder regional de mãos e pés atados.

Além disso, o Daguestão não possui uma vertical de poder e representa um conglomerado complexo de diferentes grupos étnicos e diferentes correntes islâmicas (sufis, salafistas, “muçulmanos informais” que se afastam igualmente das atividades terroristas e do clero oficial). Nessa república, os prefeitos, especialmente de cidades tão importantes como Makhachkalá, Derbent, Khasaviurt, Kizliar, representam uma força independente e não podem ser ignorados pela liderança regional.

Porém, o papel mais importante nesse processo é exercido por Moscou, uma vez que é visto pela população local como árbitro das complexas disputas locais. Resta agora saber em que medida o Kremlin se dispõe a apoiar seu protegido no Daguestão.

 

Serguêi Markedonov é cientista político coligado ao Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington (EUA).

Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.

Este site utiliza cookies. Clique aqui para saber mais.

Aceitar cookies