Polêmica do vazamento afeta Trump, mas quanto?

Os críticos de Trump podem condenar suas ações e possíveis riscos, mas não podem alegar que são ilegais, segundo autor

Os críticos de Trump podem condenar suas ações e possíveis riscos, mas não podem alegar que são ilegais, segundo autor

Aleksêi Iorch
Na última segunda-feira (15) o presidente norte-americano Donald Trump se viu no centro de uma nova polêmica envolvendo o compartilhamento de dados sigilosos a autoridades russas. Mas até os acusadores admitem que não houve violação da lei. Confidenciais ou não, dados poderiam reforçar luta contra Estado Islâmico na Síria.

A notícia de que o presidente Donald Trump teria divulgado dados confidenciais ao ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguêi Lavrov, foi publicada em primeira mão pelo jornal “The Washington Post”.

Citando fontes anônimas, entre antigos e atuais oficiais da administração americana, o veículo relatou que, durante uma reunião a portas fechadas com Lavrov, o presidente dos EUA poderia ter divulgado dados sobre os métodos operacionais usados ​​por serviços especiais americanos e seus aliados contra o Estado Islâmico (EI) na Síria, assim como informações sobre suas fontes.

Trump confirmou que havia compartilhado informações sobre o assunto com o ministro russo, mas não especificou se referiam-se a dados confidenciais. Seja como for, a questão é que, por direito, o presidente dos EUA tem autoridade de compartilhar qualquer tipo de informação e decidir como ela deve ser usada no futuro. Os críticos de Trump podem condenar suas ações e possíveis riscos, mas não podem alegar que são ilegais.

O encontro entre Lavrov e Trump ocorreu em 10 de maio, no dia seguinte à demissão de James Comey, diretor do FBI (agência, entre outras coisas, é responsável pela proteção dos segredos de Estado).  

No entanto, é mais provável que a informação sobre os planos dos terroristas do EI para organizar ataques contra aviões civis – que foi discutida pelo chanceler russo com o líder americano, de acordo com o assessor de segurança nacional HR McMaster – tenha sido fornecida ao chefe da Casa Branca não pelo FBI, mas via NSA ou CIA. Aliás, segundo McMaster, não foram divulgados métodos ou fontes.

Usuário final

Quem é o usuário final das informações de inteligência, o mais importante produto dos serviços especiais? Obviamente são os chefes de Estado, que todos os dias de manhã recebem resumos dos relatórios de inteligência. Para os líderes de superpotências, essa leitura é tão comum como checar as redes sociais no café da manhã. Em caso de grandes acontecimentos (como, por exemplo, atos terroristas, deterioração de conflitos locais ou a possibilidade de um ataque militar), eles recebem memorandos especiais.

Na maioria dos países, os chefes dos serviços de inteligência relatam pessoalmente, com alguma frequência, as informações mais importantes aos líderes de Estado. Mas estes raramente são informados sobre os métodos de obtenção das informações e suas fontes. Um chefe de Estado precisa da informação em si – não de como foi possível obtê-la.

Eles também são informados das operações de inteligência mais importantes. Por exemplo, durante a Segunda Guerra, os britânicos quebraram o código usado nas comunicações pela Alemanha e obtiveram acesso a vários dados sobre os planos nazistas.

Na ocasião, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill, que deliberou sobre como usar essa informação, decidiu contra a intercepção de uma série de grandes incursões aéreas em cidades britânicas. Ele temia que o sucesso da Força Aérea Real fizesse com que os alemães percebessem que seu sistema de transmissão havia sido hackeado.

Ao contrário de Churchill, o líder soviético Nikita Khruschov era bastante descuidado com informações sigilosas. O relatório sobre a destituição de Khruschov, apresentado em uma sessão plenária do Comitê Central do PCUS em outubro de 1964, revela abertamente que, em conversas com estrangeiros, o líder havia revelado informações confidenciais sobre os armamentos da União Soviética e seu programa espacial.

Não se sabe de casos de líderes mais recentes da Rússia que tenham revelado qualquer dado confidencial.

Ponto para ambos

Os meios de comunicação do país preferem receber as informações sobre reuniões de alto nível a portas fechadas de fontes oficiais. Portanto, Lavrov é um parceiro confiável para Trump na troca de dados que permitam aos países lutar em conjunto contra o terrorismo.

Após o ataque aéreo contra a base aérea de Shayrat, em abril, o intercâmbio de informações sobre as ações dos EI entre os serviços especiais e os militares de ambos os países foi reduzido a nada. No entanto, é óbvio que Trump, que sonha em fazer progressos tangíveis no Oriente Médio, quer conquistar o apoio da Rússia. E como hoje ele é a única pessoa que pode passar legalmente informações confidenciais para Moscou sobre os planos dos terroristas, ele simplesmente o faz com a própria boca.

É bem possível que Serguêi Lavrov tenha voltado a Moscou com uma quantidade significativa de informações que serão usadas efetivamente para combater os radicais islâmicos na Síria. E Trump também deve ter recebido algo em troca.

Após o afastamento de Comey, o presidente norte-americano enfrenta ainda maior oposição. A campanha que o criticou “por revelar segredos dos serviços especiais”, iniciada no último dia 15 de maio, pode até afetar seu índice de popularidade por um curto período.

No entanto, diante da situação, é mais importante que o líder americano demonstre sua disponibilidade para continuar a trocar informações sobre o terrorismo com a Rússia. Isso poderia levar a um sucesso real na luta contra o EI e, como resultado, gerar até uma reviravolta na popularidade do 45º presidente dos EUA.

Artiom Kureev é membro do grupo de reflexão Helsinki+, com sede em Moscou, que trata da proteção dos interesses de russos que vivem nos países bálticos. Kureev é formado em relações internacionais pela Universidade Estatal de São Petersburgo.

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