Tragédia em Nice resultou na morte de 84 pessoas, incluindo uma estudante russa
EPAA França sofreu mais um ataque terrorista horrível. Desta vez a arma do crime foi um caminhão desgovernado sobre a multidão em Nice em pleno Dia da Bastilha, o mais importante feriado nacional. Há, portanto, um simbolismo duplo aqui: o feriado nacional mais importante da França e uma cidade-resort elegante, a personificação da descontração.
Em março, após as explosões em Bruxelas, o presidente francês François Hollande declarou que o país estava em um estado de guerra. Pensei, na época, que pouco havia por detrás de suas palavras retumbantes. Guerra significaria uma mudança radical de comportamento e a renúncia das atividades habituais.
A reação dos europeus a ataques cada vez mais hábeis é exatamente o oposto. Eles não vão permitir que criminosos os obriguem a renunciar a seus valores de liberdade e seu modo de vida. A frequência dos atos e o óbvia incapacidade dos serviços secretos mostram que, sem reavaliar a os fundamentos da ordem social, será impossível romper com a terrível onda de terrorismo.
O “israelização” da vida, isto é, a submissão da sociedade ao objetivo de garantir a segurança está se tornando inevitável, mas, para isso, seria necessária uma justificativa conceitual para a mudança. Até certo ponto, para Israel é mais fácil viver assim, uma vez que a história do Estado judaico é permeada de guerras com os vizinhos e, portanto, muitas gerações de israelenses praticamente nasceram com a percepção de que segurança é prioridade. Na Europa contemporânea, porém, os princípios que suportam o desenvolvimento da vida são outros.
Vista no contexto dos acontecimentos em Nice, a fanfarra a que a Otan se prestou vários dias atrás, durante a cúpula em Varsóvia, é um pouco absurda. Com esforço titânico, a aliança decidiu proteger os Estados bálticos e a Polônia da ameaça russa, enviando quatro batalhões para a Europa Oriental, em uma base rotativa. A alegria acerca da ação foi um tanto surpreendente, já que os membros da aliança deveriam supostamente garantir a sua própria segurança sem toda essa cerimônia. E, depois da tragédia em Nice na quinta-feira, a decisão da Otan se assemelha a uma tentativa de procurar as chaves perdidas sob a luz de uma lamparina.
O fator mais chocante para os europeus é que a maior ameaça vem de dentro. Quase todos os grandes atos terroristas das décadas de 2000 e 2010 foram conduzidos por cidadãos dos próprios países. E as consequências políticas são óbvias: o crescimento da extrema-direita vai continuar. É claro que os receios relacionados ao terrorismo e à migração – para uma parcela dos cidadãos, fonte de perigos – tornaram-se um dos motivos decisivos para o resultado no referendo britânico. Uma série de votações em países-chave ao longo do próximo ano e meio trarão novas surpresas: as eleições presidenciais dos EUA em novembro, e na França, no início do ano que vem, assim como as eleições parlamentares na Holanda e na Alemanha em 2017, e na Itália, no início de 2018. Em todos esses casos, excluindo a Alemanha, há uma chance de que as forças populistas não só se fortaleçam, mas consigam, de fato, chegar ao poder.
Mesmo que isso não ocorra, o cenário político está, de qualquer modo, mais propenso à direita conservadora. O próximo teste será, aliás, as eleições presidenciais na Áustria já em setembro.
Nice não só pode, como deverá influenciar a discussão sobre o futuro da UE, um debate que começou logo após o referendo britânico. Fica claro também que a era da federalização e de “portas abertas” está chegando ao fim. Falar sobre a necessidade de restabelecimento da soberania e do retorno gradual de direitos e oportunidades para os governos locais é cada vez mais aceito de um modo geral. Líder no gabinete de ministros na Europa, a Alemanha, encabeçada por Angela Merkel, insiste nessa solução. No entanto, o impulso manifestado um dia após o referendo britânico pelo ministro das Relações Exteriores alemão, Frank Walter Steinmeier, e seu homólogo francês, Jean-Marc Ayrault, para iniciar o processo de integração intensa, a fim de salvar o projeto europeu, não recebeu apoio algum.
Se a ideia principal é “segurança”, então, delegar as prerrogativas a líderes supranacionais abstratos será um conceito recebido com cada vez mais oposição por cidadãos dos países da UE. Devido ao atual cenário, os cidadãos querem entender quem é responsável por sua tranquilidade. A incapacidade de proteger os nacionais contra a ameaça terrorista traz hoje a mesma sensação que a incapacidade de defender a liberdade e a independência de seu país de um ocupante estrangeiro há 200 anos. Mas a luta contra o terrorismo está deixando de ser algo relacionado a circunstâncias externas.
Não importa o que acontece no Oriente Médio; mesmo se o ‘Califado’ for destruído, isso terá pouca influência sobre o comportamento dos radicais islâmicos na Europa, nos EUA e em qualquer outro lugar. A guerra contra o terror está se tornando particularmente interna, pelo menos, assim se vê no Velho Mundo. A guerra civil nunca é declarada – explode por conta própria. E, ao que parece, já está em curso.
Fiódor Lukiánov é editor-chefe da revista Russia in Global Affairs e professor na Universidade Nacional de Pesquisas da Escola Superior de Economia.
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