Ilustração: Dmítri Dívin
Os pedidos de ajuda das autoridades afegãs à Rússia na luta contra a oposição armada levantam a questão sobre a alternância de equilíbrio de forças na região. O país é visto como uma zona de influência dos EUA e da Otan, já que Cabul tem total dependência militar e financeira de seus aliados ocidentais para lutar contra o Taleban e outros grupos fundamentalistas no país.
No entanto, os acontecimentos recentes vem mostrando que os recursos da Otan e do Exército nacional não estão sendo suficientes para manter a difícil, porém estável, situação no norte do Afeganistão. Em meados de 2015, os talebans se fortaleceram nas províncias de Badakhshan e Kunduz, na fronteira com o Tadjiquistão, após uma operação militar para demonstração de poder em que capturaram a cidade de Kunduz por alguns dias.
O surgimento de grupos volumosos de fundamentalistas nas zonas fronteiriças não deixa de causar preocupação na Rússia, bem como nos países da Comunidade dos Estados Independentes (CEI) e da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC). O recente exemplo da Síria demonstrou, paralelamente, que Moscou está pronta para apoiar a luta contra o terrorismo mesmo nas fronteiras mais distantes – assim como quando forneceu armas às forças da Aliança do Norte que lutavam contra o Taleban na década de 1990.
É claro, porém, que não se trata agora de um envio de tropas. O Exército afegão manifestou apenas o pedido de fornecimento de helicópteros e armas de pequeno porte, fabricadas antes do estabelecimento das sanções russas, embora com recursos provindos do Ocidente. E, assim, comércio voltou a se intensificar.
No início de outubro, houve entregas de grandes lotes de armamentos de pequeno calibre, bem como o início de negociações para o fornecimento de helicópteros de ataque Mi-35. Mas as recentes declarações com pedido explícito de apoio, associadas à visita informal à Rússia do vice-presidente afegão, Abdul Rashid Dostum, ultrapassam claramente a esfera comercial.
A tentativa de Cabul de refortalecer os laços com a Rússia esconde várias questões. A primeira delas é a evidente demanda por armamentos russos, observada também em outras partes do mundo. Os fuzis Ak-47 são robustos e não exigem tantos cuidados como os seus homólogos norte-americanos, por exemplo.
Já os helicópteros Mi, são mais adaptados à guerra nas montanhas do que aqueles que hoje pilotam os militares da Otan. Os próprios Estados Unidos, antes do estabelecimento das sanções contra a Rússia, consideraram comprar armamentos de fabricação russa para o Exército afegão.
Outra razão para a reaproximação afegã é o desenrolar do que pode ser um “jogo diplomático”. Os EUA, assim como os países da União Europeia, estão menos dispostos a prestar assistência ao Afeganistão. O orçamento do país subsiste graças às concessões e os empréstimos externos, sem os quais seria incapaz de financiar projetos de infraestrutura nem manter o atual tamanho do Exército, com mais de 300 mil combatetentes. O apelo à Rússia pode ser, portanto, uma manobra para chantagear Washington na esperança de readquirir apoio financeiro.
Mas há ainda a possibilidade de não ter qualquer embasamento militar ou econômico, mas sim cálculo político. Ao contrário dos EUA, que buscaram destruir as forças de oposição e estabelecer negociações com líderes rebeldes individuais, a Rússia e a China procuram enfraquecer os extremistas, anulando a aliança deles com o serviço de inteligência do Paquistão, que usa o Taleban para lutar contra a Índia pela influência no Afeganistão.
O papel de cada um desses fatores vai determinar se a aliança antiterrorismo entre Cabul e Moscou será séria e de longo prazo. Seja como for, só a tentativa de estabelecê-la já demonstra a revalorização da Rússia no Oriente Médio e o aumento de sua influência – direta e indiretamente – na região.
Nikita Mendkôvitch é cientista político com foco em Afeganistão e Ásia Central, e membro do Conselho Russo de Assuntos Internacionais.
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