Ilustração: Konstantin Maler
Ao longo dos últimos seis meses, o chanceler russo Serguêi Lavrov tentou apontar, no mínimo três vezes, para o fato de que Moscou não se esqueceu de como a história da implantação do sistema de defesa antimíssil na Europa começou.
Em entrevista na televisão de Cingapura, na quarta-feira passada (5), Lavrov foi ainda mais enfático: “Antes, o presidente [norte-americano Barack] Obama havia afirmado que se a questão nuclear iraniana fosse resolvida, não haveria mais necessidade de um sistema de defesa antimíssil na Europa. Parece que ele mentiu”.
Enquanto a questão nuclear iraniana vai se tornando coisa do passado, o sistema de defesa antimíssil na Europa está cada mais presente.
Recentemente, a porta-voz da Otan Oana Lungesku declarou que o progresso das negociações sobre o programa nuclear iraniano não afetaria os planos referentes à implantação do escudo antimíssil. Segundo ela, o objetivo do programa é exclusivamente “combater ameaças ligadas à proliferação de mísseis balísticos”.
Afinal, é realmente necessário?
Para Moscou, a nova justificativa apresentada para a implantação do escudo antimíssil na Europa não parece mais convincente do que o motivo anterior – a questão iraniana.
Hoje, a maioria das potenciais ameaças de mísseis à Europa vem de regiões a sul e leste. Para combater esse tipo de provocação, o ideal seria implantar componentes terrestres do sistema de defesa antimíssil na Grécia ou na Turquia – e não na Polônia e na Romênia.
O componente marítimo do escudo antimíssil, constituído por navios equipados com o sistema de defesa antimíssil Aegis, seria ainda mais eficaz na direção sul.
Por que, então, nos países da Europa Central e Oriental?
Não, essas bases antimísseis não são voltadas contra a Rússia. A quantidade de mísseis russos é tão grande que nenhum sistema de defesa antimíssil seria capaz de dar conta deles.
Mas, se não são voltadas à Rússia, contra quem são? É preciso buscar a resposta na esfera política, e não na militar. Trata-se da motivação dos membros da Otan oriundos do Leste Europeu.
Para eles, o escudo antimíssil é uma forma de aprofundar a integração no âmbito das estruturas euroatlânticas.
Quanto aos Estados Unidos, há pelo menos três razões para a implantação de elementos terrestres do sistema de defesa antimíssil no Leste Europeu: conservar a presença estratégica dos EUA na Europa, demonstrar que se preocupam com a segurança dos novos aliados e implantar uma base militar completa sem arcar com sua posterior manutenção.
A implantação do sistema de defesa antimíssil na Europa será, portanto, conveniente tanto aos EUA, quanto aos membros europeus da Otan, mesmo que as potenciais ameaças de mísseis sejam eliminadas. A situação atual só não convém a um único país – a Rússia.
E o que virá depois?
Depois de o acordo nuclear com o Irã ser firmado, nenhuma outra justificativa para a implantação do escudo antimíssil na Europa soará convincente.
A situação é agravada pelo fato de que as relações entre os Estados Unidos e a Rússia já estarem no nível mais baixo desde a época da Guerra Fria. Washington não pode abandonar os planos de implantar um escudo antimíssil na Europa. Isso seria percebido como uma concessão a Moscou e teria um efeito desmoralizante sobre os aliados na Otan.
Diante das circunstâncias, qualquer negociação sobre a problemática estará fadada ao fracasso, pois as partes se destacam por apresentar visões fundamentalmente opostas.
Enquanto não for elaborada uma abordagem única para a solução dos problemas que envolvem o escudo antimíssil, os EUA ficarão inventando novos pretextos para implantar os sistemas, e Moscou continuará apontando, pela enésima vez, as inconsistências deles.
O resultado disso é uma situação potencialmente perigosa. A infraestrutura do sistema de defesa antimíssil na Europa não garante a segurança, mas cria dificuldades nas relações com a Rússia. Em meio a constantes atritos entre Moscou e o Ocidente, qualquer jogo político com o uso do escudo antimíssil pode levar a um grau de tensão ainda maior.
Aleksandr Tchekov é professor do departamento das Relações Internacionais e Política Externa da Rússia do Instituto Estatal das Relações Internacionais de Moscou (Mgimo, na sigla em russo).
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