Ilustração: Natália Mikhailenko
Após o colapso da União Soviética, o Ocidente simplesmente parou de levar a Rússia a sério. Os EUA e seus aliados ignoraram as preocupações expressas pela Rússia acerca sobretudo da expansão da Otan, do reconhecimento de Kosovo, da invasão do Iraque e das ações da Geórgia. Nem mesmo quando o ataque imprudente da Geórgia à Ossétia do Sul, em 2008, levou a um esmagador contra-ataque russo, o Ocidente parece ter aprendido a lição.
Em vez disso, as potências ocidentais escolheram a Ucrânia – um país considerado pela Rússia quase parte de si mesmo – como local para incentivar a derrubada de um presidente democraticamente eleito. Para Moscou, a iniciativa pareceu mais uma ação antirrussa – nada poderia ser mais provocante. Mas, em seguida, o Kremlin cometeu seus próprios erros. A anexação da Crimeia, compreensível no contexto de pânico de que a “Pequena Rússia” pudesse ser engolida pela Otan, representou o ato mais significativo de ganância territorial na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O fato criou uma atmosfera de desconfiança e temores de um novo expansionismo russo, que têm dificultado todas as tentativas de diminuir tensões mútuas. E o negado, porém comprovado, envolvimento russo com os separatistas no leste da Ucrânia foi uma catástrofe.
Os separatistas revelaram ser gangues mal disciplinadas e brutais em seus métodos, que contam com apoio limitado do povo no leste da Ucrânia. Eles estão cada vez mais dependentes da Rússia como fonte de voluntários e armamento. Isso quase que certamente incluiu o míssil que derrubou o voo MH17 e intensificou a ira ocidental com a ideia de um forte apoio russo às iniciativas de insurreição. E agora os dissidentes estão perdendo a guerra, forçando o presidente Pútin a fazer uma terrível escolha. Ele pode reconhecer a derrota e abandoná-los. Ou pode aumentar a aposta, talvez com uma intervenção aberta, e enfrentar os custos, perigos e mais perdas nas relações com o Ocidente.
Enquanto isso, as sanções econômicas ocidentais, compreensíveis no contexto da necessidade de os líderes ocidentais parecerem “fazer alguma coisa”, pioraram a situação. As medidas estão realmente provocando danos econômicos, mas seu efeito político tem sido exatamente o contrário do que foi anunciado. Com o país em apuros, a opinião pública dos russos tem oscilado e pende em direção ao presidente Pútin. O líder de Estado não demonstra disposição para ceder, autorizou uma rodada significativa de contramedidas e estabeleceu ligações com as potências emergentes não ocidentais. Nas últimas semanas foi possível observar um novo e amplo negócio de gás com a China, negociações de trocas de petróleo com o Irã, e incentivo aos brasileiros para preencher a lacuna deixada pela exclusão das exportações agrícolas da UE para a Rússia.
É reconfortante o fato de os franceses e os alemães estarem agora tentando reabrir as comunicações com Moscou. Mas a confiança está em baixa, e pode simplesmente evaporar se a Rússia invadir o leste da Ucrânia. A credibilidade de Pútin em meio aos líderes ocidentais vem sendo solapada ao negar veemente que o país presta assistência militar aos rebeldes ucranianos. Ele e o presidente americano Barack Obama estão praticamente em um regime de incomunicabilidade. Paralelamente, o premiê inglês David Cameron parece ter decidido que a retórica dura é apropriada como política do Reino Unido – a negociação é para os outros. A chanceler alemã Angela Merkel – um dos poucos líderes ocidentais a quem Pútin ainda dá ouvidos – ficou muito menos disposta a cooperar após a derrubada do avião da Malásia.
A política ocidental para com a Rússia, mesmo descontando a improvável conversa sobre o rearmamento da Otan e a diminuição da dependência do gás russo, foi reduzida a manter a pressão econômica e à espera da queda de Pútin. Esta é uma perspectiva remota, ainda mais distante por causa da hostilidade ocidental, e há boas razões para duvidar de que um eventual sucessor de Pútin possa se voltar mais ao Ocidente. Na Rússia, a crise deu um impulso para aqueles que querem ver a economia russa mais centrada no Estado e menos atrelada ao Ocidente. Tal Rússia seria inevitavelmente mais autoritária e menos cooperativa em toda gama de problemas internacionais cruciais, desde o Oriente Médio a mudanças climáticas. A esperança de que a Rússia se torne um país europeu “normal” está sendo retrocedendo décadas. Enquanto isso, as perspectivas de recuperação da Ucrânia, prostrada entre a Rússia e o Ocidente, permanecem mínimas.
O drama é que, considerando a necessidade de diplomacia, um caminho para sair da crise é claramente visível. É evidente, mesmo nas profundezas do aparato de segurança da Rússia, que os rebeldes do leste da Ucrânia se tornaram uma responsabilidade enorme. O truque está em dar à Rússia uma maneira digna de abandoná-los. Um pacote que inclui um cessar-fogo, esforços humanitários para a população local e garantias ucranianas sobre os direitos da população de língua russa da Ucrânia deve ser suficiente. O medo da Rússia de que a Ucrânia caia nos braços da Otan certamente não vai se concretizar em um futuro próximo, posição esta que poderia ser reiterada pelo Ocidente. O consentimento ucraniano poderia ser obtido em troca de um amplo pacote de ajuda.
Embora a Crimeia pareça condenada a aderir à lista de “conflitos congelados” na Europa, a Ucrânia poderia fechar um negócio rentável para o fornecimento de gás russo em troca ou pelo reconhecimento formal de sua perda. Ao que tudo indica, os alemães e os franceses lançaram tentáculos provisórios sobre a possibilidade de um cessar-fogo, mas onde estão os líderes com coragem política para pressionar por uma solução mais abrangente, evitando o congelamento destrutivo das relações da Rússia com o Ocidente pelos anos que estão por vir?
Tony Brenton é escritor e ex-diplomata. Foi embaixador do Reino Unido na Rússia entre 2004 e 2008.
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