Ilustração: Tatiana Perelígina
Durante a década de 2000, o Kremlin passou a expandir sua política
externa na América latina. Com a crescente presença dos EUA e da Otan no
Leste Europeu, não é de se estranhar que a Rússia busque expandir sua
presença em áreas sob tradicional influência de Washington
Na
virada do século, a região experimentou uma guinada para a esquerda que
tirou muitos países latino-americanos da esfera de influência dos EUA e
incentivou a elaboração de políticas econômicas e de assuntos externos
próprios e independentes.
Foram sobretudo os países do eixo
bolivariano que optaram por uma parceria estratégica com a Rússia.
Muitos dos governos de esquerda mais moderados dessa corrente,
particularmente Brasil e Argentina, também dão apoio à ampliação da
cooperação com a Rússia.
Mesmo os países cujas economias são mais
ligadas à dos EUA, como México e Chile, estão mostrando uma boa dose de
independência ao promover seus interesses políticos. Teóricos sugerem
que essas tendências na América Latina têm forçado Moscou a olhar com
novos olhos as perspectivas de cooperação na região, praticamente
descartada pelo Kremlin na década de 1990.
Laços econômicos
Entre
2004 e 2012, o comércio entre a Rússia e a América Latina triplicou,
saltando de US$ 5,8 bilhões para US$ 16,4 bilhões. Hoje, os principais
parceiros comerciais da Rússia na região são Brasil, México, Argentina e
Equador.
Os gastos russos na América Latina alcançaram os US$ 25
bilhões (contra os US$ 17 bilhões do início do ano 2000), do qual mais
de um terço foi destinado ao Brasil.
Essas trocas comerciais
correspondem a uma grande variedade de setores: alta tecnologia,
metalurgia não ferrosa, biotecnologia, processamento de produtos
agrícolas etc. Mas a maior parte do capital russo continua fluindo para o
setor de energia, e grandes empresas estatais como a Gazprom, a Lukoil e
a Rusal continuam ganhando impulso no continente latino-americano.
Esse
volume deve continuar a crescer. Além disso, grande parte dos países
sul-americanos esperam fechar novos contratos com a Rússia no setor de
energia.
Setor militar e político
Moscou e América Latina
também expandiram suas relações nos âmbitos militar e político. Ao longo
dos últimos 12 anos, as exportações de armas russas para a América
Latina chegaram aos US$ 14 bilhões, sendo a Venezuela responsável por
80% desse montante.
Além disso, em abril de 2014, o Exército
russo e alguns governos latino-americanos de esquerda realizaram
treinamentos conjuntos na costa do continente destinados a combater o
tráfico internacional de drogas.
Em março deste ano, o ministro
da Defesa russo, Serguêi Choigu, declarou ainda que o Kremlin estava
negociando a expansão de suas bases militares em países como Venezuela,
Cuba e Nicarágua.
Mas, além das parcerias militares, o país prevê
um avanço político com Brasil, Argentina e outros governos mais
moderados, já que todas as partes estão interessadas em ampliar suas
relações internacionais.
Assim, esperam-se acordos bilaterais com
esses países para definir posições comuns sobre questões políticas
estratégicas de alcance global.
Posições perdidas?
É
improvável que a guinada a Oeste dada pela Rússia sob o comando do
presidente Vladímir Pútin tenha passado despercebida por Washington.
Referindo-se
ao aumento do interesse de Moscou pela América Latina, o
ex-representante dos EUA na OEA (Organização dos Estados Americanos),
Roger Noriega, disse que “os russos estão entrando em países que foram
abandonados pelos EUA”.
Desde 2009, a administração democrata de
Barack Obama tenta fazer todo o possível para reconquistar as posições
perdidas na região e impedir que certos países da área ingressem na
órbita russa ou chinesa. Do ponto de vista de Washington, a instalação
de bases militares russas na América Latina é uma possibilidade
inaceitável.
A ameaça chinesa
O principal rival dos EUA,
em termos econômicos, é claramente a China. Nos últimos 15 anos, o país
se tornou o maior parceiro comercial da América Latina. No primeiro
semestre de 2014, o volume do comércio chinês com Brasil, Chile e Peru
já ultrapassou os índices em relação aos EUA.
Enquanto cobre,
ferro e soja compõem mais de 50% das exportações latino-americanas para a
China hoje, Pequim exporta produtos eletrônicos e automotivos para a
América Latina. A atividade chinesa na região é tão ameaçadora para os
EUA, quanto para a Rússia. E, ao mesmo tempo em que aposta na esfera
econômica, a China estreita os laços na arena política.
Embora
seja improvável que a América Latina se converta em campo de batalha de
uma nova Guerra Fria, é evidente que, sob a influência da crise na
Ucrânia, a Rússia deve considerar aprofundar relações na região, como já
tem feito com suas respostas às sanções ocidentais.
Mesmo países
que mantêm profundos laços políticos e econômicos com os EUA, como
México, Peru e República Dominicana, não estão dispostos a sacrificar
uma cooperação mutuamente benéfica com a Rússia.
Resta aguardar
para ver se os crescentes vínculos levarão a relações econômicas mais
amplas e profundas que representem uma ameaça real para Washington.
Ruslan Kostiuk é doutor em Ciências Históricas e professor da Universidade Estatal de São Petersburgo.
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