Ilustração: Tatiana Perelíguina
Em julho, foi realizada em Moscou uma reunião de embaixadores na qual o presidente da Rússia falou sobre a maior imprevisibilidade da evolução da situação internacional e da compactação dos eventos no tempo.
Ninguém está esperando a ocorrência de "grandes guerras", ou seja, de confrontos armados entre as principais nações do mundo. O mais provável é que, pelo contrário, todos estejam convencidos de que os países já guerrearam suficientemente entre si. Além disso, a grande maioria dos conflitos é de natureza interna, sendo produto de uma disfunção do desenvolvimento nacional. Aparentemente, eles estão acontecendo na periferia da Europa e do resto do mundo.
Mas se fizermos uma abordagem conectando-se concretamente às realidades de hoje, o resultado será o quadro complicado de uma abrangente transformação do mundo, incluindo as relações internacionais.
A nova realidade
Praticamente todos os líderes e cientistas políticos reconhecem que uma nova realidade se constituiu no planeta.
Com o fim da Guerra Fria, a situação mudou radicalmente, embora a compreensão desse fato e do conteúdo das próprias mudanças tenha demorado a chegar. Por um lado, de acordo com o que nos revela a atual crise global, as questões referentes ao desenvolvimento interno dos países passaram para o primeiro plano. A estabilidade do desenvolvimento interno, especialmente a socioeconômica, é justamente um recurso fundamental de política externa.
Por outro lado, o mundo se emancipou e um grande número de países adquiriu a liberdade de criação histórica. Ele se tornou mais livre, no sentido pleno dessa palavra. E não é só a “desideologização” das relações internacionais que garante essa liberdade. A multiplicidade dos centros de crescimento econômico e de influência política que representam toda a diversidade cultural e civilizacional do mundo, especialmente se considerarmos as potências regionais emergentes, se transforma nessa garantia. A multipolaridade estende-se além dos estreitos limites do triângulo geopolítico Rússia – EUA – China.
O fator força
Todas as principais nações do mundo já guerrearam o suficiente ao longo de sua história.
Isso não significa que o fator da força militar deixou de desempenhar o seu papel nas relações internacionais. A experiência ao longo das duas últimas décadas revela que o número de conflitos de diversos tipos não diminuiu, absolutamente, e o mais provável é que tenha acontecido o contrário. Neste caso é preciso distinguir dois tipos de situações.
O primeiro tipo é a experiência da administração de George W. Bush, que deflagrou a guerra no Iraque, contrariando a vontade claramente expressa da comunidade internacional e os interesses nacionais da própria América do Norte. Neste caso, trata-se do uso de força militar como um elemento de autodestruição dos países, não só em termos de sua posição internacional, mas também em relação ao seu desenvolvimento interno.
A outra situação ocorre quando o emprego da força militar leva um caráter forçado pelas circunstâncias, ou seja, a força é utilizada em defesa de interesses nacionais específicos, claros e compreensíveis para o resto do mundo. A crise no Cáucaso e a atual crise na Ucrânia são exemplos desse tipo de abordagem.
Uma nova contenção
Em todo caso, tanto a crise no Cáucaso quanto a atual crise na Ucrânia provam que a capacidade de reagir através do uso da força, não necessariamente o uso da força propriamente dito, pode ter um significado crucial no caso de uma agressão velada ou uma agressão através de Estados fraudulentos, nos quais ocorreu uma conveniente "mudança de regime". De modo geral, as tentativas de devolver a política europeia/euroatlântica ao passado, através de um curso já aberto para refrear a Rússia, apesar de perderem o sentido em um mundo multipolar, poderão se transformar numa fonte de séria desestabilização em toda a região, sem falar nos respectivos países.
A “desglobalização”
A tendência de “desglobalização” revela-se, inclusive, na regionalização das políticas globais na esfera do comércio e da integração econômica.
O diálogo entre o Kremlin e a Casa Branca em tempos de crise
É interessante que, neste caso, podem ocorrer tentativas de trazer de volta as antigas considerações geopolíticas, ou seja, integrar-se contra alguém e não a favor de algo, com o objetivo de isolar os países vistos como concorrentes geopolíticos.
A geopolítica
A Integração Euroasiática e a “Integração das Integrações" na Europa, projetos desenvolvidos nos termos das normas da OMC, com a introdução dos padrões da União Europeia (UE), bem como os projetos trilaterais entre a UE, Rússia e os países de “nossa vizinhança comum”, incluindo a Ucrânia, se harmonizam com a tendência geral global. A crise atual na Ucrânia, ao contrário, mostra quais são as consequências de uma política diferente.
O país que é sujeito de semelhante jogo geopolítico se desestabiliza e se desmancha, transformando-se em um território geopolítico “tutelado”, que segue o modelo da Guerra Fria. Mas o problema fundamental e mais precisamente a falha destes cálculos é que tal controle requer enormes recursos financeiros e o respectivo "compromisso total" por parte dos países patrocinadores. Os imperativos ideológicos da Guerra Fria garantiam a disponibilidade de ambos. Agora isso é problemático, pois não há nem recursos, nem vontade política correspondente.
Cada vez mais, a situação em torno da Ucrânia é assimilada como um complô contra a Europa, em grande parte porque o que está acontecendo contradiz o sentido econômico e faz lembrar a experiência trágica da Europa do século 20. Um conflito artificial do tempo da bipolaridade no qual as principais capitais europeias se apresentam não como participantes diretas, mas como mediadoras entre Washington e Moscou.
Diplomacia pragmática
Agora, em meio a circunstâncias diferentes e ocupando novas e mais favoráveis posições de confiança em suas próprias forças, a Rússia pode e deve conduzir uma política plena, em ampla frente, na Europa e no mundo, em toda a gama de questões relevantes.
De modo geral, trata-se de uma diplomacia pragmática, multivetorial e multilateral, que levaria em conta os verdadeiros interesses do país e a necessidade de participação nas diversas alianças de interesse com uma geometria aberta.
Iakovenko A.V. é embaixador extraordinário e plenipotenciário da Federação Russa no Reino Unido.
Este texto foi abreviado. A tradução não é oficial. A versão completa do artigo pode ser lida na revista "A Rússia na Política Global"
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