Ilustração: Dan Potótski
Após a Guerra Fria, as relações russo-americanas nunca despencaram a um nível tão baixo como o atual. A dramática situação na Ucrânia deveria ser um poderoso incentivo para uma reavaliação crítica da política europeia e mundial atual.
Infelizmente, porém, isso não está acontecendo. Apesar de todo o pluralismo de opiniões sobre as causas, a dinâmica e as prováveis consequências da crise ucraniana, entre políticos e especialistas norte-americanos os debates estão focados em dois pontos: as sanções contra a Rússia e uma possível renúncia às relações com o país.
O curioso é que o discurso que se estabeleceu na Rússia se parece com o norte-americano refletido em um espelho. Por um lado, tentamos nos convencer de que não tememos as sanções. Por outro, a imprensa nos diz que o mundo não se resume à América do Norte e que não perderemos tanto assim se a cooperação com os EUA for reduzida a um mínimo.
Em meio a essa polêmica é muito fácil encontrar o estilo, clichês de propaganda e estereótipos da época da Guerra Fria.
O pessimismo na retórica política possui a desagradável propriedade de se transformar em prática política. Hoje, vemos a cooperação russo-americana ser congelada, os contatos em diferentes níveis, interrompidos e a edificação, já frágil, da interação bilateral entre a Rússia e os EUA, destruída.
A própria ideia de que, em tempos de crise, é preciso minimizar a comunicação parece absurda. Pelo contrário, é impossível chegar a qualquer acordo sem diálogo. E o diálogo é necessário não só em nível presidencial ou doschanceleres, mas também entre funcionários dos escalões mais baixos de diversos ministérios e departamentos.
É necessário o diálogo entre os parlamentares e entre os centros de análise independentes, os meios de comunicação em massa, as instituições da sociedade civil e do setor privado. Assim seria possível encontrar soluções práticas que chefes de governo e os ministros nem sempre são capazes durante suas curtas reuniões e ligações telefônicas.
É claro que as relações econômicas entre nossos países não fazem grande diferença para nenhum deles. É óbvio que a falta de interação estratégica entre o Kremlin e a Casa Branca não levará automaticamente à guerra nuclear. E, há muito tempo, todos entenderam que no mundo policêntrico de hoje o eixo “Moscou-Washington” já não desempenha o papel central que teve na segunda metade do século passado.
Apesar disso, o congelamento da cooperação russo-americana deverá dificultar significativamente a solução de uma grande quantidade de problemas internacionais. Isso se aplica a crises regionais, à não proliferação nuclear, à luta contra o terrorismo internacional, ao combate ao tráfico de drogas, à exploração do espaço, à cooperação internacional no Ártico.
Apesar de toda a gravidade da crise na Ucrânia, a agenda da política mundial não se esgota, de forma alguma, unicamente nela. E seria, no mínimo, imprudente colocar todo o espectro das relações bilaterais russo-americano na dependência direta de um único evento da vida internacional.
Qualquer crise é um teste. Será que haverá suficiente sabedoria de todos os envolvidos para não “destruir pontes”, não ceder a emoções imediatistas, enxergar as perspectivas de longo prazo por trás das vitórias e derrotas táticas? Gostaria muito de acreditar que a Rússia e os EUA vão passar por este teste com perdas mínimas, tanto para si, quanto para o resto do mundo.
Ígor Ivanov é ex-ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa e presidente do Conselho dos Negócios Estrangeiros Russo.
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