Ilustralção: Tatiana Prelíguina
À primeira vista, parece que nas últimas semanas a Rússia assumiu uma postura um tanto passiva em relação aos eventos que estão ocorrendo no Oriente Médio. Ela pode ser explicada pelo fato de que, ao contrário do que acontece em uma série de outros Estados estrangeiros, os interesses nacionais de Moscou requerem a estabilização da situação na região.
Essa passividade da Rússia está suscitando um questionamento por parte de alguns analistas, especialmente se for levado em conta o fato de que, após os eventos que envolveram a Síria, os governos do Oriente Médio estão esperando o retorno de Moscou para a região.
"Na Síria, nós demonstramos para o mundo árabe que estamos prontos para defender os nossos parceiros e também aproveitamos para mostrar a todos que temos a capacidade de deter as incursões americanas que estão sendo preparadas. E a estratégia de marketing revelou-se muito bem sucedida, principalmente em termos de influência sobre Egito, Iêmen, Iraque e Líbano", diz o arabista russo Leonid Isaev, professor da Escola Superior de Economia.
A Rússia apoia plenamente o novo presidente egípcio, o general Abdel-Fattah AL-Sisi. Moscou, ao contrário dos países ocidentais, não se opôs ativamente à deposição do presidente Mohammed Morsi efetivada pelo general, bem como foi um dos poucos países que não protestaram contra as sentenças de morte proferidas a quase 1.000 islâmicos. "Estou convencido de que o povo egípcio, possuidor de uma sabedoria milenar e de um rico patrimônio histórico e civilizacional, é capaz de, sem ajuda externa, tomar uma decisão adequada em relação à questão do papel e do lugar dessa ou daquela organização na sociedade, incluindo a associação Irmandade Muçulmana", afirmou Serguêi Lavrov, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa.
Motivos
A benevolência da Rússia pode ser atribuída a algumas razões. Em primeiro lugar, Moscou conseguiu estabelecer uma cooperação no âmbito econômico com o novo governo –em fevereiro, os países assinaram um contrato para o fornecimento de armas e equipamentos militares num total de mais de US$ 3 bilhões.
"Temos interesses mútuos nessa esfera”, diz Leonid Isaev. “O Egito quer reduzir a sua dependência técnico-militar em relação aos EUA. Além disso, Al-Sisi possui um interesse pessoal –ele é novo na política e tenta utilizar o apoio de Moscou a fim de efetivar uma política que não dependa de seus colegas generais egípcios, que são muito dependentes de Washington. Por sua vez, a Rússia vê no general uma pessoa com quem se pode contar e da qual se pode receber apoio referente aos assuntos árabes, em particular na questão da Síria."
Em segundo lugar, Moscou está impressionada com a natureza secular do novo regime egípcio, com a sua disposição de combater o islamismo radical, bem como com as declarações de Al-Sisi sobre o seu apego a uma forma modernizada do Nasserismo (ideologia política nacionalista árabe baseada nos pensamentos do ex-presidente egípcio Gamal Abdel Nasser).
"Essa ideologia parece ser clara e compreensível para a Rússia. Além disso, à menção do nome de Gamal Abdel Nasser, um sentimento de nostalgia surge na elite russa –a geração mais velha de especialistas em Oriente Médio se lembra de que na época de Nasser as nossas relações com o Egito estavam no auge. E esse estado de espírito é transmitido para o Kremlin", afirma Aleksêi Malashenko, copresidente do programa "Religião, Sociedade e Segurança" do Centro Carnegie de Moscou.
Por fim, a Rússia precisa de um bom relacionamento com o presidente Al-Sisi para ter a possibilidade de retornar à Líbia. É claro que no presente momento não se pode falar em quaisquer planos estratégicos referentes à antiga Jamahiriya (termo cunhado por Muammar Gadafi que significa “República das massas”) –a Líbia simplesmente deixou de ser um país, porque lá a pulverização do poder atingiu proporções catastróficas.
"Os territórios onde há petróleo e onde anteriormente existiam empresas russas agora são controladas por radicais e islâmicos”, diz Aleksêi Malashenko. “E a situação não irá se estabilizar enquanto não aparecer um líder nacional forte. Além do mais, não está excluído que ele terá uma orientação pró-Egito. Atualmente, os Irmãos Muçulmanos estão fugindo, em massa, do Egito e indo para o território da Líbia, onde esperam acumular forças. É provável que, neste contexto, um acordo seja firmado entre o Cairo e Trípoli, segundo o qual Al-Sisi irá ajudar os nacionalistas seculares a restaurarem a ordem na Líbia."
A Rússia também está assumindo uma postura relativamente neutra em relação à situação em Gaza –atualmente a participação da Rússia no conflito está limitada apenas à preparação da evacuação dos cidadãos russos. Os líderes palestinos dirigiram-se repetidamente à Rússia pedindo para que ela fizesse ao menos uma declaração no Conselho de Segurança da ONU, mas Moscou se recusou.
"Os palestinos acreditam até agora que a Rússia, na qualidade de sucessora da URSS, deve se orientar em maior grau para a Palestina. No entanto, Moscou já mudou o seu ponto de vista –Putin, pessoalmente, assume uma postura positiva em relação Israel. Além disso, Israel tem uma importância bem maior para a Rússia do que a Palestina. A Palestina é heterogênea –lá não existe apenas o Hamas e os nacionalistas seculares, enquanto que Israel irá permanecer como tal em qualquer circunstância”, diz Aleksêi Malashenko.
Além disso, é possível que o silêncio de Moscou seja resultado de acordos entre Vladímir Putin e Mahmoud Abbas, que recentemente visitou a Rússia.
"Afinal, o bombardeamento de Gaza traz mais vantagens para o Fatah do que para Israel –seria difícil encontrar um lado mais interessado nessa operação”, completa Leonid Isaev. “Sim, Fatah e Hamas criaram um governo de unidade nacional, mas eles deram esse passo apenas para ter a possibilidade de ganhar pontos políticos no mundo árabe. Mahmoud Abbas não pode se manifestar abertamente contra o Hamas, pois o próprio povo palestino não o entenderia. Porém, se livrar do adversário pelas mãos de israelitas é algo que convém totalmente a ele."
A Rússia não experimentou um sentimento de remorso especial. Aliás, Moscou tem uma relação muito difícil com o Hamas, especialmente depois que os líderes do movimento se recusaram a apoiar Bashar al-Assad. É exatamente por isso que o Fatah é a única parte palestina com quem estamos negociando.
Gevorg
Mirzaian é pesquisador do Instituto dos EUA e do Canadá da Academia de Ciências
Russa.
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