A Ucrânia e o papel do poder militar russo no mundo

Ilustração: Serguêi Iólkin

Ilustração: Serguêi Iólkin

A situação na Ucrânia mostrou que os Estados Unidos e seus aliados da Otan já não podem exibir seu poder militar e agir como valentões globais.

Antes de escrever esta coluna, gostaria de esclarecer que sou pacifista convencido de que os líderes mundiais devem cooperar e se concentrar em áreas de convergência. Quando as coisas ficam feias, é possível que líderes políticos de convicções e valores diferentes trabalhem lado a lado. 

O melhor exemplo é o G20, um grupo que foi formado em um momento em que a economia global estava extremamente frágil. Se os grandes podem trabalhar juntos na área de economia, creio que eles também devem ser capazes de colaborar nos assuntos políticos.

Após os últimos acontecimentos na Ucrânia, surgiram inúmeras declarações dos políticos ocidentais na imprensa. Eu nem sequer quero reproduzir a resposta de uma ex-secretária de Estado dos Estados Unidos. O fato é que as tropas russas demonstraram um alto grau de profissionalismo, e a operação foi concluída sem derramamento de sangue e sem um único tiro disparado.

A Rússia não está interessada na desestabilização da situação na Ucrânia, isso contradiria os próprios interesses de Moscou, mas a interferência dos EUA na ex-República Soviética é uma parte de uma longa política destinada a enfraquecer seu antigo rival da Guerra Fria. Claramente, com a Ucrânia, o governo dos EUA está testando as águas para ver até que ponto pode provocar a Rússia.

Vamos imaginar uma situação hipotética em que Moscou apoie, patrocine e arme um regime fantoche anti-americano no México. Será que os Estados Unidos ficariam de braços cruzados? Será que os Estados Unidos manteriam suas mãos longe dos países da América Latina? Será que esse país respeita o direito internacional no seu continente ou em qualquer outro lugar do mundo? Não foi o conflito no Iraque, no século 21, um caso claro de invasão sob o falso pretexto de uma mudança de regime político?

A situação na Ucrânia mostrou que os Estados Unidos e seus aliados da Otan já não podem exibir seu poder militar e agir como valentões globais.

A maior ameaça à paz mundial após a queda da União Soviética proveio dos Estados Unidos e seus aliados. Embora a liberdade de imprensa, a democracia e a ética de trabalho desses países mereçam todo o respeito, sua política externa é extremamente imperfeita. Simplesmente vai contra os valores da civilização, apoia guerras sangrentas para derrubar líderes de outros países (inclusive eleitos democraticamente) e coloca regimes fantoches que apoiam seus interesses.

Se a Otan realmente se preocupasse com a  democracia e os direitos humanos, não seria tão cautelosa com regimes como o da Arábia Saudita, onde as violações de direitos humanos estão na ordem do dia. Parece que eles não têm nenhuma preocupação com o estado da democracia no Paquistão, um aliado dos Estados Unidos, onde o exército decide tudo. Os países ocidentais apoiaram o regime de apartheid na África do Sul durante décadas, mas os responsáveis políticos parecem experimentar tal antipatia com a Rússia. Eles até estão dispostos a apoiar um governo de ultranacionalistas em Kiev.

Coincidentemente, um dos aliados do Ocidente, a Estônia, declarou no mês passado que os atiradores em Kiev não foram patrocinados por Ianukovitch, mas provieram de um grupo nacionalista.

Durante os últimos anos, o poder diplomático da Rússia cresceu significativamente e o país realizou muito trabalho para parar o derramamento de sangue. Moscou foi capaz de impedir o ataque contra a Síria pelos Estados Unidos e impediu guerras em lugares como o Irã.

Agora, os países ocidentais sabem quais são os limites e não entrarão em uma confrontação militar com Moscou com base na guerra na Crimeia.

Integridade territorial 

O Ocidente decidiu apoiar o "novo governo" de Kiev e declarou que a Rússia deve respeitar a integridade territorial da Ucrânia. 

Surgem várias perguntas: por que os kosovares tem o direito de independência da Sérvia? Por que o povo da Abecásia não tem o mesmo direito? Por que é admissível dividir o Sudão e criar o novo país Sudão do Sul? Por que é admissível criar a República de Timor Leste? Se o direito internacional é imutável, por que se aplica a apenas um grupo de países? Onde está a linha entre os direitos verdadeiramente democráticos e a violação do direito internacional? Estas perguntas são difíceis de responder .

O mundo precisa de paz, desenvolvimento e um ambiente natural protegido. Os líderes mundiais têm a responsabilidade de trabalhar para conseguir isso. Mas, enquanto o Ocidente tenta expandir a hegemonia americana no mundo, as possibilidades de alcançar a paz no mundo estão desaparecendo. O ressurgimento da Rússia como potência militar ajudará a garantir que o mundo seja um lugar muito menos violento.

 

Ajay Kamalakaran é jornalista e comentarista político 

 

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