Ilustração: Tatiana Perelíguina
No futebol moderno, quase nunca faz sentido um técnico fazer planos de longo prazo. Afinal, as chances de que ele estará por perto para colocá-los em prática são pequenas. Quatro anos é uma eternidade, quase quatro vezes o reinado médio de um técnico da primeira divisão – até menos se excluirmos algumas anomalias de longa duração, como Alex Ferguson e Arsene Wenger, que parecem criaturas de outra era.
Então por que é que o ex-treinador da seleção da Inglaterra, Fabio Capello, está se programando quatro anos à frente em seu novo trabalho com a equipe russa? Pior ainda, ele está cometendo o pecado original que sugere que a próxima Copa do Mundo não será o começo e o fim de sua carreira no país.
“Brasil-2014 vai nos ajudar a ganhar experiência para o que vem de verdade pela frente, a Copa do Mundo seguinte na Rússia”, disse ele ao site da Fifa, em janeiro passado. Mas a Copa do Mundo de 2014 já não é de verdade?
Talvez consciente de que deixou escapar alguma coisa, Capello tem sido mais cauteloso desde então, retomando os discursos tipicamente evasivos dos técnicos de futebol. “Sempre fui uma pessoa ambiciosa, mas a estratégia mais correta é a de progredir jogo após jogo”, declarou no início de março, ao ser questionado sobre os seus objetivos no torneio do Brasil. A contragosto, porém, admitiu que a qualificação da fase de grupos seria um padrão mínimo de sucesso esperado.
Claro que ser um multimilionário de 67 anos de idade, com oito títulos na Série A, confere o tipo de perspectiva incomum aos principiantes, mas Capello mantém uma posição privilegiada na Rússia. Ao contrário de seu reinado de quatro anos de preocupação na Inglaterra, quando se envolveu em conflito com os com chefes da federação, Capello tem um poder quase ilimitado em seu novo papel. Com foco firme na primeira Copa do Mundo em casa, ele recebeu amplos poderes para supervisionar as equipes nacionais de diferentes níveis. Isso lhe permitirá ter uma visão geral e trazer novos talentos a tempo para a competição “de verdade”.
A campanha russa nas eliminatórias para a Copa do Brasil foi surpreendentemente eficaz na medida em que a equipe conseguiu avançar em seu grupo ao derrotar a favorita seleção portuguesa. Mas a derrota por 1 a 0 contra a Irlanda do Norte e o empate 1 de 1 com o Azerbaijão sinalizou os problemas de uma defesa teimosa, para não dizer pouco qualificada. Isso é exatamente o que a Rússia terá que fazer no Brasil, onde o sorteio os colocou contra a equipe orientada para a defesa da Argélia e da Coreia do Sul na fase de grupos, bem como a Bélgica, em que espírito de ataque prevalece.
Há lembranças, contudo, da malfadada campanha inglesa de 2010 na África do Sul e seu empate sem gols (e sem inspiração) contra a Argélia, fato que o próprio Capello reconheceu este mês. “Eu me lembro como a Argélia pode jogar pelo meu trabalho com a seleção nacional da Inglaterra”, disse.
A Rússia jogou apenas uma partida nos últimos quatro meses, uma vitória amigável por 2 a 0 sobre a Armênia no início do mês passado, mas a composição básica da equipe já está clara. Usando uma formação que, embora permita mudanças, é basicamente 4-1-4-1, as táticas do italiano são muito parecidas com as usadas em seus tempos na Inglaterra. No entanto, os jogadores russos trazem um espírito diferente.
A Rússia apresenta uma riqueza de talento no meio campo, liderada pelo capitão Roman Chirokov, conhecido por seus bombardeios de fundo no Zenit São Petersburgo, ao lado do confiável Denis Gluchakov e do especialista em lances com a bola parada Aleksander Samedov, que se desenvolveu rapidamente desde a sua estreia internacional na equipe de Capello. O italiano também conseguiu manter uma tampa sobre as potenciais tensões no elenco – tanto Chirokov como seu companheiro de meia campo Igor Denisov entraram em choque contra os gestores de seus clubes, mas isso ainda não foi replicado na seleção nacional.
Na defesa, os veteranos que levaram a seleção russa às semifinais da Eurocopa 2008 se tornaram menos confiáveis e não estarão mais presentes no evento de 2018. Antecipando esse fato, Capello tem tentado encontrar novos jogadores, como o lateral direito do Dínamo Moscou, Aleksêi Kozlov, e o lateral esquerdo do CSKA Moscou, Geórgui Schennikov, ambos susceptíveis a viajar para o Brasil e que poderão desempenhar um papel importante nos próximos anos. Além disso, o goleiro do CSKA, Igor Akinfeev, é um dos melhores do mundo e a primeira escolha indiscutível para Capello.
O ataque é onde Capello enfrenta problemas. O atacante de longa data Aleksandr Kerjakov tornou-se uma espécie de espetáculo à parte no Zenit, lutando para ganhar espaço enquanto a estrela brasileira Hulk assina o show. Aleksander Kokorin é o único jovem atacante realmente promissor, mas até agora não mostrou garra para assumir uma posição privilegiada na escalação de Capello. A terceira opção no ataque, Fiódor Smolov, não marca em uma partida oficial há mais de 18 meses e é constantemente alvo de piadas dos torcedores russos.
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Assim como Capello, o governo russo está mirando para 2018, mas os preparativos parecem estar indo bem menos tranquilos do que a postura do treinador italiano. Alguns estádios estão acabados ou quase lá, incluindo a nova sede do Spartak Moscou e o estádio de Sôtchi onde foi realizada a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos. Porém, eles já estavam previstos antes de 2010, quando a Rússia conquistou o direito de sediar a Copa do Mundo em 2018.
Outros oito estádios, incluindo o palco da grande final, o Lujniki de Moscou, estão sendo construídos a partir do zero ou necessitam de uma reforma quase integral. Até agora, nenhum deles tem projeto confirmado. O trabalho de construção básico foi iniciado, mas há um limite para o que pode ser feito sem a definição de um projeto final – fato que vem irritando o ministro dos Esportes, Vitáli Mutko.
“O ritmo de concepção dos estádios é motivo de preocupação”, disse Mutko a autoridades regionais no início de março. “Prazos estão sendo quebrados, há problemas em todas as regiões.”
Claro que isso também pode ser apenas uma política de precaução, um aviso de que os atrasos não serão tolerados à medida que a Copa do Mundo se aproxima, e ainda há muito tempo para resolver os problemas. Quatro anos atrás, o Parque Olímpico de Sôtchi ainda era um pântano mal projetado.
Os jogadores escalados por Capello podem estar se preparando para a Copa do Brasil, mas eles e o país estão realmente se preparando para sediar o evento em 2018. O treinador precisa de novos jogadores, o país precisa de novos estádios, mas todos os olhos estão voltados para a competição “de verdade”.
James Ellingworth é comentarista esportivo.
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