Balança de sanções e promessas

Ilustração: Konstantin Maler

Ilustração: Konstantin Maler

Nesta segunda-feira (17), autoridades da União Europeia e dos Estados Unidos adotaram sanções contra personalidades ucranianas e russas envolvidas na anexação da Crimeia à Rússia. Diante do aumento de ameaças em represália pelo referendo deste domingo, observadores traçam dois cenários possíveis (e contrastantes) para o futuro da ordem mundial.

Ocidente se confronta com recusa

Fiódor Lukianov, cientista político

Os “países dos sete” pretendem continuar a se reunir sem a Rússia e seus líderes prometem uma resposta dura à anexação da Crimeia que pode ir até o completo isolamento internacional do país. Até que ponto isso é real?

A esperança ocidental de que a votação na Crimeia não passasse de um movimento tático caiu por terra. Agora é preciso passar das ameaças aos atos. E não existe experiência anterior de sanções eficazes contra uma superpotência nuclear que ocupa grande parte da Eurásia, mantém influência ao redor do mundo e é um gigante reservatório de recursos.

Será possível o isolamento da Rússia? Não dá, é claro, para falar de isolamento absoluto. Em primeiro lugar, porque é impossível ignorar um país tão grande e importante no cenário internacional. Além disso, mesmo que o Ocidente imponha sanções mais severas, assumindo sacrifícios próprios, isso nunca será igual a um embargo mundial. Uma ampla parcela da humanidade – na Ásia, Oriente Médio e na América Latina – acompanha com atenção a maneira como, pela primeira vez desde a década de 1980, alguém desafiou o domínio norte-americano.

Também não se está à espera do apoio formal para a anexação da Crimeia à Rússia. Independentemente de como a China, o Brasil ou mesmo o Irã olhavam para a Ucrânia, ninguém necessita de um precedente de exclusão de território de um Estado reconhecido pela ONU. No entanto, o fato de a Rússia poder começar a desempenhar um papel verdadeiramente independente no cenário mundial, sem olhar para a reação do Ocidente, é interessante para muitos. Isso permite alterar o equilíbrio do poder global. Para Pequim, por exemplo, abrem-se muitas perspectivas.

É possível que ocorra uma mobilização antirrussa, especialmente porque o Ocidente, pela primeira vez em 25 anos, enfrenta a recusa explícita de jogar pelas regras que foram estabelecidas após a Guerra Fria. As sanções minam a economia russa e daí surgem muitas variantes. Mas existe um outro cenário.

A primeira reação será obviamente brusca. Mas se a Rússia virar a sua atenção para o Oriente, os estrategistas começarão a colocar a questão de forma diferente. O que é mais importante: o controle da Ucrânia, que está longe de se encontrar na primeira linha do sistema de prioridades dos EUA, ou o impedimento de uma aliança russo-chinesa, que iria ameaçar seriamente a posição dos norte-americanos? E então, de repente, pode vir a se descobrir que a Ucrânia livre da influência americana, afinal, não é um valor tão absoluto para o Ocidente.

Fiódor Lukianov é presidente do Conselho para a Política Externa e de Defesa.

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Prontos para as consequências?

Vladímir Kolossov, especial para Gazeta Russa

Ilustração: Konstantin Maler

Temo que o otimismo em relação às possíveis sanções do Ocidente seja. De fato, não existem precedentes de medidas punitivas extensas contra um país tão grande e profundamente integrado na economia mundial. Mas o desafio lançado pela Rússia à ordem geopolítica mundial estabelecida tem um caráter crítico e será, certamente, um fator de união para todo o Ocidente.

O mais provável é que o impacto das sanções à Rússia não se faça sentir de imediato – as medidas mais sérias levam tempo e são muito caras para o Ocidente. Tal como na década de 1980, os Estados Unidos e seus aliados vão jogar com a queda nos preços mundiais do gás, do petróleo e de outras commodities. Isso irá contribuir para promover tendências objetivas nas economias desenvolvidas, como a redução do consumo energético e material e a diversificação das fontes de energia. A UE tentará acelerar as medidas já iniciadas na busca de fornecedores alternativos de hidrocarbonetos, a construção de terminais para receber navios de gás natural liquefeito dos Estados Unidos, África do Norte e outras regiões.

Também devem sofrer impacto as áreas de exportação de armamento e cooperação técnico-científica (por exemplo, a construção de usinas nucleares no exterior), que são fatores importantes para a Rússia, seja no plano político ou econômico. O mesmo se aplica aos grandes projetos de investimento das principais empresas ocidentais, pois é possível que tenham de ser colocados de lado por muito tempo.

Mudanças – oficiais e não oficiais – na política de vistos, por exemplo, pela criação de maiores dificuldades no procedimentos para obtenção de visto, podem vir a afetar não apenas os funcionários do governo, mas também os cidadãos comuns.

Finalmente, a reorientação da própria Rússia “para o Oriente” também está longe de ser uma iniciativa simples e barata. A expansão em grande escala da exportação de energia para a China e outros países da região Ásia-Pacífico não dispõe ainda da infraestrutura necessária e sua criação exigirá grandes investimentos. É preciso estar pronto para todas essas consequências.

Vladímir Kolossov é diretor do Centro de Estudos Geopolíticos do Instituto de Geografia e presidente da União Geográfica Internacional

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