Conflito à esquerda, saída à direita

Ilustração: Aleksêi Iórch

Ilustração: Aleksêi Iórch

Recente caso da Ucrânia ilustra as contradições nas relações e princípios entre o Ocidente e a Rússia. Em meio a desafios diversos de garantir interesses nacionais, país se verá obrigado a recorrer aos parceiros orientais.

As autoridades da União Europeia subestimam por demais a determinação do Kremlin em se opor à integração europeia. As discussões de ambos os lados que sugerem se tratar de uma escolha soberana do povo ucraniano não devem levar a enganos. Os representantes europeus podem se incomodar com o comportamento de Pútin, mas, quando eles próprios aparecem na praça Maidan, fica evidente para Moscou que “isso tudo sendo financiado” e, de certo modo, “contra a Rússia”.

Os dirigentes russos partem do princípio de que nada no mundo acontece por acaso, mas antes, e na maior parte das vezes, está dirigido contra eles. Na concepção que domina o Kremlin, atrás da “integração europeia” virá também a Otan – com tanques e mísseis perto de Belgorod e Kursk, e sua defesa antimíssil. A “perda da Ucrânia” é tida pela classe dominante na Rússia como uma ameaça existencial para o país. Uma ameaça contra a qual é preciso resistir com todos os meios disponíveis.

Basta lembrar que, quando houve a expansão da Otan para o Ocidente às custas da Geórgia, poucos acreditavam que Moscou passaria tão facilmente para uma ação militar. Porém, mais do que isso, ela estava pronta para atacar Tbilisi. E isso sem falar que, em 2008, as relações entre a Rússia e o Ocidente eram melhores do que agora. Será os burocratas da UE em Bruxelas se dão conta do que dizem ao afirmarem que não há nada a falar sobre estabelecer relações com a Ucrânia em em um formato trilateral que englobe a Rússia?

É evidente que Pútin não é o político mais amado pelo Ocidente, tal como o regime comandado por ele não é a encarnação dos valores euroatlânticos. Mas isso significa que a atual Rússia de Pútin deve se transformar em um “Estado intocável”? Quando os funcionários da mesma UE instigam, por exemplo, ao boicote aos Jogos Olímpicos de Sôtchi, a vontade que dá é de perguntar: “O que foi agora? Moscou voltou a enviar tropas para o Afeganistão?”

Além disso, como mostrou a experiência do Irã e da Coreia do Norte, ser um Estado inatingível não é um destino assim tão terrível. Vejam o exemplo do Irã, que ameaça destruir Israel, continua reconhecendo os EUA como o demônio na Terra e sorrateiramente dá sequência aos planos de desenvolver uma bomba nuclear. A resposta ocidental chega em forma de sanções, mas, apesar disso tudo, o país continua faturando US$ 69 bilhões com as exportações de petróleo.

Os meios de comunicação ocidentais escrevem muitas vezes que Pútin é medonho, que prendeu as Pussy Riot, que não gosta de gays e que já deu para entender tudo que se refere a ele. E aí surge um incompreensível entusiasmo em relação ao novo presidente iraniano Rouhani: “Oh, ele sorriu” ou “Ah, ele telefonou para Obama e não repete todos os dias que o Holocausto nunca aconteceu, ao contrário de Ahmadinejad”. Sob um sorriso evasivo e abraços do secretário de Estado John Kerry com o ministro das Relações Exteriores do Irã por uns momentos perto de Teerã, foi reconhecido o direito do país de possuir seu próprio programa nuclear.

A ideia de “quanto pior você se comportar”, mais feliz nós ficamos em chegar a um acordo com você, prevalece na arena internacional, sobretudo quando se dá um pequeno sinal de que as coisas vão entrar no “caminho certo”. O presidente Pútin ainda não sabe até onde está disposto a ir no confronto com o Ocidente. Mas a lógica de suas ações mostram que ele, encontrando-se profundamente decepcionado com esses padrões de dois pesos e duas medidas, está se preparando para o atrito.

Eis então que desponta a “política da soberania da elite” ou a máxima atenção no rearmamento do Exército nacional. Ninguém rearma um Exército apenas para criar postos de trabalho ou aplicar novas tecnologias. Até mesmo quando o assunto é investimento estrangeiro, Pútin não disse uma palavra em seu discurso anual. Pelo contrário, o presidente falou em retornar os capitais ao país.

Paralelamente, muitos dos responsáveis ​​pela execução das políticas em relação à Rússia – bem como Ucrânia e toda a região da ex-URSS – partem do fato de que o país está fragilizado e de os interesses econômicos se encontrarem em países da “potencial rival”. É por isso que em algum momento o Kremlin vai tremer, engolir seco a sua próxima derrota, se encolher na própria humilhação e aceitar o novo papel, rastejando para o Oriente. Em sentido literal e figurativo, “rastejando para longe”.

 

Publicado originalmente pelo Gazeta.ru

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