Ilustração: Aleksêi Iórch
Quando, na Rússia, algo se desfaz, desmorona, as razões estão na ponta da língua: é um “país de bobos”, é Pútin, é o regime. Mas quando algo vai mal na terra prometida de milagres, bondade e ordem, o que havemos de dizer? A União Europeia, por si só, não impede os telhados de cair. No entanto, sabe-se lá por quê, parece impróprio dizer disso.
Também não é de bom tom falar sobre as relações entre Ucrânia, Rússia e UE. A Ucrânia está descontente com o fato de seu governo legitimamente eleito impedir que o país se aproxime da Europa. A Europa está indignada porque o Kremlin cria obstáculo para que a Ucrânia se junte à UE.
Ora, essa indignação é o reconhecimento cabal de que a Rússia tem mais força do que a UE. Então, por que escolher a companhia do mais fraco?
A verdade é que a família europeia não se sente incompleta sem a Ucrânia. Tampouco sem outros países. Há apenas dez anos os gregos se revoltaram por Bruxelas ter publicado um livro sobre a história da Europa, que teria origem no Império de Carlos Magno. Então, minha alma estava com os gregos, embora a consciência estivesse com Bruxelas.
A Europa também não sente qualquer vazio sem outros vizinhos bem mais próximos, como Romênia, Bulgária, Sérvia, Macedônia, Albânia, assim como Letônia e Lituânia. E, para falar francamente, sem antigos Estados capitalistas desde há muito, como a Grécia e o Chipre.
“Para que precisamos deles? A Romênia e a Bulgária devem se sentir felizes por ter tomado o bonde andando”, disse-me em Bucareste, em 2007, um então embaixador da União Europeia, muito falante por estar de partida.
Na página 23 do estudo “Eurobarômetro”, há uma tabela segundo a qual a maioria dos cidadãos, tanto de antigos como de novos membros da UE, considerava concluído o processo de ampliação do bloco. Os dados foram colhidos logo após o início dos protestos na Ucrânia contra a não adesão do país à UE.
Na verdade, a família europeia pouco se importa com a Ucrânia. O que lhe importa é a Rússia. Fingindo pensar na Ucrânia, tem em mente a Rússia.
Se houvesse um golfo entre o Cáucaso e fronteira da Ucrânia, a Europa tomaria suas decisões com base no relacionamento com essa.
No entanto, as decisões que a UE toma quanto a Ucrânia, Geórgia, Moldova e Bielorrúsia se assentam em suas relações com a Rússia. Mais importante que essas relações é o fato de a Rússia ocupar o espaço do desejável oceano.
Devido a razões diversas, a Europa acha perigoso que os acontecimentos evoluam por si, o que poderia conduzir à desintegração da Rússia, uma tendência que lhe é inerente. Não é isso que queremos.
No triângulo Europa, Rússia e vizinhos desta não pode haver um momento em que a Rússia se aproxime mais da Europa do que a Ucrânia ou qualquer outro de seus vizinhos.
Independentemente do regime, do poder ou ideologia reinantes em Moscou, qualquer um de seus vizinhos será mais familiar à Europa que a própria Rússia. Claro que estamos diante de um novo mercado e coisas do gênero, mas a razão principal do namoro da Europa com a Ucrânia está na rejeição a Moscou.
Portanto, é falso que a Europa esteja salvando a Ucrânia do autoritarismo russo. A opção da Europa por qualquer outro vizinho que não seja a Rússia independe de quem esteja no Kremlin e de seu comportamento.
Em nenhum caso a Europa deslocará sua fronteira para o Oceano Pacífico ou para os Urais. A fronteira passará ao longo do rio Dniepre, pouco mais à esquerda ou à direita.
Para a família europeia, qualquer vizinho da Rússia será preferível, pelo simples fato de não ser a própria Rússia. Seja qual for o regime político instalado por Moscou, nada mudará.
Quando fala na Ucrânia, a Europa pensa na Rússia. Ela quer que a primeira se separe da Rússia por conta própria. Isso porque os líderes europeus sabem perfeitamente que o divórcio sairá muito caro, e por isso querem que a Ucrânia, movida pelo entusiasmo e pelo sonho, arque sozinha com os custos do processo.
Aquela Europa que anda no pensamento dos ucranianos – uma família de gente igual, bem-educada e rica – não passa de um sonho. Uma Europa assim não existe.
Ela também abriga ricos e pobres, e países que são mais iguais que outros. Não serão algumas assinaturas em papel timbrado de estrelas que irão mudar a classe social, a qualidade e número de habitantes, o produto interno bruto ou a correlação entre dívida e reservas.
Numa análise fria, digamos que Lukashenko se sente mais igual ao Kremlin que os gregos a Merkel: nunca passaria pela cabeça dos gregos colocar na prisão o diretor de um consórcio alemão.
Mais que isso, nenhum país do Leste Europeu se tornou ocidental por ter entrado para a União Europeia.
Aleksandr
Baunov é cientista político
Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.
Assine
a nossa newsletter!
Receba em seu e-mail as principais notícias da Rússia na newsletter: