Ilustração: Aleksêi Iórch
Desde a dissolução da União Soviética em 1991, a palavra pogrom – que significa um ataque em massa dirigido a grupos étnicos e religiosos por meio de violência pessoal e da destruição de suas propriedades - tem estado presente no cenário sociopolítico da Rússia e das repúblicas recém-independentes. Os distúrbios na região de Biriuliovo Zapadnoie, situada no extremo sul da capital russa, reacenderam os debates acerca da questão étnica e migratória no país.
A tensão teve início no último dia 10 de outubro após o assassinato do jovem russo Egor Scherbakov, supostamente por um imigrante da ex-república soviética do Azerbaijão. Segundo testemunhas, Egor dirigia-se ao seu domicílio acompanhado da namorada, quando foi ofendido pelo imigrante alocoolizado. Ambos iniciaram uma briga que terminou com o esfaqueamento do jovem.
No dia 13 de outubro, um domingo, a população local se reuniu para exigir a prisão do assassino e a remoção dos imigrantes não documentados, acusando-os de estar envolvidos em crimes diversos.
Grupos ultranacionalistas e neonazistas se somaram ao protesto e dirigiram-se à maior feira de hortifrutigranjeiros da capital, onde trabalham centenas de imigrantes. Na tentativa de invadir e incendiar o mercado, a tropa de choque interveio e desencadeou-se o conflito.
No dia seguinte, atendendo a clamores da população, as autoridades russas iniciaram a detenção de mais de 300 imigrantes irregulares que trabalham no local. Na mesma semana, o corpo de um uzbeque foi encontrado esfaqueado próximo à região.
Segundo a Organização das Nações Unidas, a Federação Russa ocupa hoje o segundo lugar no mundo em número de imigrantes, atrás apenas dos Estados Unidos. Estima-se que aproximadamente 11 milhões residam no país, a grande maioria proveniente de ex-repúblicas soviéticas no Cáucaso e na Ásia Central, entre elas o Uzbequistão e o Tadjiquistão.
Como ocorre em outros Estados, os imigrantes ocupam cargos de menor qualificação e remuneração. A especificidade desse fenômeno na Rússia está na elevada tensão cultural, que abarca diferenças linguísticas e religiosas.
A questão étnica abrange não apenas imigrantes do “Estrangeiro Próximo”, como são denominadas as repúblicas supramencionadas, mas também migrantes provenientes de outras regiões do país.
Na língua russa há duas palavras diferentes que, em português, são traduzidas apenas por “russo”: "rossiyan", que denomina aquele que tem a cidadania na Rússia ("Rossiya"), e "russkiy", que denomina o grupo étnico majoritário - aproximadamente 80% da população - cuja língua nativa é o russo.
A complexidade da situação deve-se ao fato de no país conviverem mais de 180 grupos étnicos, as chamadas de “nacionalidades”. Para exemplificar, um tchetcheno tem a cidadania russa (é um "rossiyanin"), mas não tem etnia russa (não é um "russkiy").
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Protestos anti-imigrantes tomam as ruas de várias cidades russasAs 21 regiões onde parte considerável da população pertence a etnias locais não russas foram contempladas com o status de repúblicas. Em algumas delas, como a Tchetchênia e o Daguestão, há fortes movimentos separatistas e fundamentalistas religiosos, que se utilizam de atentados terroristas para autopromoção - foi assim no metrô de Moscou, em 2011, e no aeroporto internacional Domodedovo, em 2010.
Os nacionalistas russos defendem uma política migratória que restrinja a circulação daqueles dentro do próprio território da Federação Russa e frequentemente enunciam o slogan “a Rússia para os russos!” (ou seja, “Rossiya" para os "ruskiye", não para os "rossiyane”).
Segundo pesquisas de opinião realizadas pelo Instituto Levada em novembro de 2012, 56% dos russos estão de acordo com o slogan. Aproximadamente 43% da população considera que, tendo em vista a atual tensão, há a possiblidade de um “derramamento de sangue” no país por conflitos étnicos.
O pior pogrom verificado no espaço pós-soviético ocorreu no sul do Quirguistão em 2010, envolvendo grupos étnicos uzbeques e quirguizes. Mais de 400 pessoas foram mortas na ocasião.
Cabe ao Kremlin definir os rumos de uma política migratória que leve em conta tanto as tensões culturais presentes na sociedade, quanto as necessidades econômicas e as relações bilaterais e multilaterais com as ex-repúblicas soviéticas, principal área de influência do país. O grande desafio é: onde está o ponto de equilíbrio?
Vicente Giaccaglini Ferraro Jr. é mestrando em Ciência Política na Escola Superior de Economia de Moscou e membro do Laboratório de Estudos da Ásia - USP.
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