Ilustração: Niiaz Karim
A Constituição russa proíbe a existência de uma ideologia estatal, porém é possível evitar essa interdição usando outra expressão –a "ideia da nação". A intenção de Pútin de elaborar um conceito deste tipo não apresenta nenhuma novidade para a Rússia pós-soviética, pois o presidente atual apenas segue o exemplo do primeiro líder russo, Boris Iéltsin, que pretendia realizar a mesma tarefa ainda em 1996. No entanto, existe algo novo no conceito ideológico a ser adotado pelo governo do país.
O discurso do líder russo feito na reunião do Valdai, clube intencional de debates, deixou claro a sua intenção de realizar uma revolução ideológica, marcando o fim da visão interna da Federação Russa como "um grande país europeu", um conceito que se refere ao ocidentalismo russo, cujos traços estão presentes nos eventos históricos do país.
Os adeptos do ocidentalismo incluem tanto os líderes anteriores como Mikhail Gorbatchev e Iéltsin, quanto atuais como Medvedev e o próprio Pútin. O conceito de convergência que vê o futuro da Rússia na integração com os países ocidentais desenvolvidos tecnologicamente, apoiado pelas elites dos últimos anos de existência da União Soviética e discutido entre seus integrantes, não chegou a ser realizado devido à crise nas relações entre a Rússia e os Estados Unidos no final do mandato do Iéltsin, que esfriaram por causa do conflito na Iugoslávia. A modificação do conceito levou à ideia de formação de uma união europeia, da qual a Rússia não apenas faria parte, mas teve todas as chances de disputar a liderança.
De acordo com a nova ideologia, a estratégia do governo russo consistia na demonstração dos resultados positivos das reformas destinadas a aproximar o país dos Estados europeus. A época de realização desta agenda foi marcada pelo uso excessivo de retórica liberal com o objetivo de exibir as similaridades dos valores do povo russo com os valores dos europeus através de múltiplos projetos, tais como a reforma do sistema educacional de acordo com a Declaração de Bolonha e a introdução das instituições de justiça juvenil.
No entanto, em 2012, ano de eleições presidenciais, o governo declarou o fracasso deste projeto devido aos seguintes motivos: as comunidades dos países europeus e ocidentais não admitiram a participação da Rússia, demonstrando a não aceitação da sua visão autoproclamada; as reformas destinadas a tornar o país um Estado com valores ocidentais também fracassaram, destruindo o regime anterior, porém não criando nenhum novo; a grande maioria da população não aceitou a ideologia de ocidentalismo. Além disso, os governos ocidentais não favoreceram as ambições imperiais e a intenção da Rússia de se tornar um líder mundial (o "neo-império de Pútin").
No entanto, a adoção do conceito de um "grande país europeu" previa a necessidade de escolher entre a liderança mundial e a participação da comunidade europeia, que dividiu os integrantes do governo em dois grupos opostos. No entanto, o discurso de Pútin na reunião do Valdai confirma a sua preferência pela primeira opção.
O projeto russo de "um grande país" não apresenta nenhuma novidade, pois já existiram as agendas de formação dos grandes Estados Unidos, da grande Bretanha, que deu origem ao nome atual deste país, da grande China ("país oriental"), entre outros. Portanto, o projeto da grande Rússia possui todo o direito de ser realizado.
Mas a adoção do presente conceito prevê a demonstração do tamanho de grandeza que obriga o governo Pútin a incluir na sua agenda uma grande quantidade de projetos de alto custo em setores diferentes de economia, entre eles:
– Tecnológico: conceito de "um grande país tecnológico", que prevê a realização dos projetos do trem-bala, de um Sistema de Navegação por Satélites e a participação do concurso para sediar a Expo-2020, entre outros;
– Militar: conceito de "um grande exército", incluindo a realização dos maiores treinamentos militares desde a época da União Soviética;
– Construção civil: conceito de "grandes construções", que prevê a criação do maior ponte de tirantes no mundo, que ligará a cidade de Vladivostok e a ilha Russki;
– Científico: conceito de "grandes projetos científicos", que inclui a abertura do centro de inovações Skolkovo, que deverá se tornar o análogo russo ao Vale do Silício;
– Arquitetura: conceito de "grandes projetos arquitetônicos", que inclui a construção de grandes edifícios, como os arranha-céus Mercury City Tower, com 338,8 metros de altura e que no futuro será superado pela Torre Federação, com 385 metros, e pelo Lakhta-Centr, com 463,7 metros;
– Religioso: conceito de "grandes religiões tradicionais da Rússia", que prevê a construção dos maiores templos de todas as crenças tradicionais, tais como a Catedral Ortodoxa de Cristo Salvador em Moscou, com 103 metros de altura, seis das mesquitas mais altas da Europa (inclusive a Mesquita Central de Nijnekamsk, Coração da Tchetchênia, na cidade de Grozni, e a Kul-Charif, em Kazan) e o maior tempo budista na Europa, o Burkhan Bakshin Altan Sume;
– Cultural: conceito de "grande cultura russa", que inclui a abertura da biblioteca de Boris Iéltsin e grandes comemorações dos eventos históricos;
– Esporte: conceito de "líder mundial esportivo", realizado durante a Universíada no início do segundo semestre deste ano na cidade de Kazan, onde a Rússia se tornou líder absoluta de medalhas de ouro conquistadas, assim como os Jogos Olímpicos de inverno de 2014 e a Copa do Mundo de 2018, que serão sediados pelo país;
– Geopolítico: conceito de "grande ascensão geopolítica", que inclui a reintegração do país na União Aduaneira Eurasiática.
Todos estes projetos são destinados a demonstrar a capacidade da Rússia de "concorrer em todos os setores", prevista por Pútin ainda em 2004, exibindo assim a grandeza do país para o mundo todo. No entanto, a grande parte da agenda elaborada é executada sem levar em consideração a situação econômica atual do país. Exatamente por este motivo os projetos não apenas não contribuem para o desenvolvimento do país em geral, mas levam ao atraso tecnológico em muitas áreas importantes.
Vardan Ernestovitch Bagdarassian é doutor em ciências históricas, professor e vice-diretor do Centro de Ciências Políticas e Ideológicas.
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