Solução além da Síria

Ilustração: Serguêi Iólkin

Ilustração: Serguêi Iólkin

As conversações russo-americanas sobre a destruição das armas nucleares sírias podem se tornar o prelúdio para a resolução do conflito na Síria. No entanto, o seu significado, caso sejam cumpridas, vão além do escopo do problema sírio.

No último final de semana, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguêi Lavrov, e o secretário de estado dos EUA, John Kerry, acordaram, em Genebra, que a Síria disponibilizaria à ONU informações completa sobre o seu arsenal de armas químicas para, em seguida, permitir que os inspetores internacionais tenham acesso a elas e as transportem para fora do país, onde deverão ser destruídas em meados de 2014.

Ao concordar com o plano, a Síria aderiu, assim, à Convenção Internacional para a Proibição de Armas Químicas em caráter de urgência, e os procedimentos previstos por Lavrov e Kerry serão agora executados pela Organização das Nações Unidas para a Proibição de Armas Químicas.

A Rússia, que instigou os acordos de Genebra, mostrou que pode fazer a diferença não só de forma passiva, pro meio do veto no Conselho de Segurança da ONU, mas também por iniciativas diplomáticas. Por si só, essa já é uma nova qualidade da política externa de Pútin, e  não apenas para o Oriente Médio.

É óbvio que, assumindo tal posição, Damasco evitou um ataque devastador ao país, que já se encontra à beira do precipício após dois anos e meio de guerra civil. “Essa é uma vitória para a Síria que foi conseguida graças aos nossos amigos russos”, disse à agência de notícias RIA Nóvosti o ministro para a Reconciliação Nacional da Síria, Ali Haidar.

Os acordos de Genebra permitem igualmente manter a segurança do sistema internacional com base nos mecanismos da ONU. Um ataque dos EUA à Síria sem o consentimento do Conselho de Segurança da ONU poderia enterrar não só o regime de Assad, mas todo o sistema do direito internacional pós-guerra.

“Ninguém quer que a ONU venha a ter o mesmo destino a Liga das Nações, que entrou em colapso devido à falta de ações reais sobre a situação internacional. E isso poderá acontecer caso os países influentes empreendam ações de força ignorando a ONU e sem a autorização do seu Conselho de Segurança”, escreveu Vladímir Pútin em um artigo publicado no “New York Times” na semana passada. É por isso que os acordos de Genebra foram apoiados pelo Reino Unido, França, Alemanha e outros protagonistas internacionais.

A irreconciliável oposição síria, para quem um ataque ao país ofereceria a chance de chegar ao poder, foi a única que permaneceu contra as deliberações de Genebra. Porém, agora as chances de isso acontecer diminuíram drasticamente. Na coletiva de imprensa conjunta concedida em Genebra, Lavrov disse que a conferência para a resolução pacífica da crise síria pode ser convocada em outubro. Kerry se juntou ao russo, sublinhando que a solução para o conflito deve ser política.

É evidente que o processo de eliminação do arsenal químico sírio e o processo de paz no seu todo irão decorrer de modo difícil. A guerra na Síria não abranda, e não é apenas a oposição que está interessada no seu prolongamento. No entanto, o próprio fato do diálogo russo-americano é motivo para otimismo. E não só na questão síria.

Parece que depois de um longo período de esfriamento das relações entre Moscou e Washington, que culminou com o cancelamento da visita oficial de Obama à Rússia, os dois países se aproximam novamente diante da necessidade de cooperação. Em entrevista ao canal ABC no domingo passado (15), Obama ressaltou a importância de Rússia e Estados Unidos trabalharem em conjunto.

Pútin também amenizou a situação. “Saúdo o espírito do líder americano para continuar o diálogo com a Rússia sobre a questão síria. Há muito tempo apelávamos para o trabalho conjunto”, escreveu em seu artigo no “The New York Times”. Além disso, o preço a se pagar é muito elevado, conforme observa o próprio presidente russo. “Se conseguirmos evitar uma ação militar contra a Síria, mudaremos radicalmente a atmosfera dos assuntos internacionais no seu todo, fortaleceremos a confiança mútua. Este será o um êxito conjunto que abrirá a perspectiva de cooperação em outras questões críticas do nosso tempo”, descreveu Pútin.

Mais especificamente, os Estados Unidos e a Rússia podem juntar forças para, por exemplo, combater a proliferação de armas de destruição em massa, em particular, no contexto das negociações sobre o dossier nuclear do Irã. Por outro lado, a destruição das armas nucleares sírias e as conversações dos mediadores da ONU com o Irã estão relacionadas com a ideia de criação de uma zona livre de armas de destruição em massa no Oriente Médio.

Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.

Este site utiliza cookies. Clique aqui para saber mais.

Aceitar cookies