Ilustração: Niiaz Karim
O esfriamento oscilante das relações russo-americanas nos últimos anos levou a um sobrecarregamento que exige remodelação. O ponto culminante foi a recusa por parte de Barack Obama de visitar Moscou após a cúpula do G20, que ocorre nesta semana em São Petersburgo.
Entre as várias razões para isso estão: a falta de "química pessoal" entre Pútin e Obama; a irritação da Casa Branca com a campanha antiamericana que ocorria até recentemente na Rússia; as duras ações do governo russo para limitar a dependência remanescente de muitas ONG russas em relação ao financiamento estrangeiro; a repressão pontual, mas crescente, que começou na Rússia contra ativistas políticos. Um papel importante neste agravamento teve também a estranha Lei Magnítski e a muito menos digna resposta russa a ela.
Na esfera geopolítica, a posição destes dois países quanto à questão Síria difere radicalmente. E no meio de tudo, a fuga de Edward Snowden para a Rússia, claramente indesejada para Moscou, foi apenas "a gota d’água". Mas tudo isso são causas secundárias da deterioração das relações russo-americanas. Passo agora àquelas que considero as principais.
Ambos países têm interesses comuns sobre questões muito mais relevantes do que a residual oposição nuclear bilateral. A promoção do desenvolvimento pacífico da China e da situação ao seu redor, a prevenção dos ecos do crescente caos árabe para fora da região, a limitação das consequências da já iniciada disseminação de armas nucleares, a integração da comunidade internacional na prevenção do agravamento da questão do clima, da água, dos alimentos e do cibercrime.
Mas, no âmbito da remodelação, esses problemas foram deixados para segundo plano ou mesmo colocados à parte. Para primeiro plano avançaram questões da agenda anterior. A principal ferramenta da remodelação foi a proposta americana de redução de armas nucleares. Os diplomatas russos se lançaram com prazer à elaboração de algo habitual para eles. Os amigos/negociadores desde o tempo da Guerra Fria voltaram a se reunir e a colocar em funcionamento o velho dínamo.
Foi assinado um acordo sem sentido em uma época de desarmamento real, mas política e restritivamente positivo. Durante algum tempo a atmosfera das relações voltou ao normal. Mas logo tudo começou a dar errado. Os americanos propuseram uma diminuição ainda maior, especialmente de armas nucleares táticas. Os russos não precisavam disso.
Começaram os debates habituais sobre quem tinha mais do quê. A fim de bloquear as tentativas americanas para reduzir a superioridade quantitativa de armas táticas russas que não ameaçam ninguém, Moscou anunciou que não iria fazê-lo enquanto existisse a ameaça da implantação do escudo europeu de defesa antimísseis.
O racional Obama, que em nome da recuperação econômica e social dos EUA fez profundos cortes nos recursos canalizados para a defesa, acabou por deixar cair os planos de implementação do escudo europeu de defesa antimísseis. Moscou preferiu ignorar essa recusa. Em primeiro lugar, não pretendiam abrir caminho para reduzir ainda mais as armas nucleares. Em segundo lugar, parte dos especialistas em foguetes e dos grupos burocráticos ligados a eles viu surgir a esperança de se poder gastar parte do dinheiro do petróleo no desenvolvimento de uma nova geração de mísseis pesados. Em terceiro lugar, ao que parece, a maioria dos russos acreditou nos argumentos propagandistas sobre os perigos da defesa antimísseis.
Seja como for, a reiniciação do processo de limitação de armamento nuclear veio remilitarizar, como era previsto, as relações entre os dois países, empurrando para segundo plano outros problemas da potencial agenda de conversações. E a falha desta reiniciação –o seu elemento central– levou-a ao fundo. Na verdade, estruturalmente falando, ela estava condenada desde o início.
O fato de o interesse econômico mútuo ser baixo também teve o seu papel. E os recursos energéticos russos começaram a pesar menos na balança. É improvável, por exemplo, que o presidente Obama se permita recusar um encontro com o líder da China. E, por fim, com a aproximação da data de retirada das tropas da OTAN do Afeganistão, diminui o interesse de Washington em Moscou também sobre esta questão.
No início desta década, eu e meus colegas do Clube Valdai escrevemos um relatório sobre a necessidade de uma nova agenda para as relações EUA-Rússia, prevendo que se tal agenda não fosse adotada, a relação construída na agenda antiga, que já há muito perdera sua importância, falharia. A previsão estava certa. E perde com isso o mundo todo, além dos dois países.
Para onde seguir a partir daqui? É claro que os dois podem começar a se atacar mutuamente. Os americanos têm mais meios para fazê-lo. Mas a Rússia também os tem.
O melhor é usar esta pausa para definir uma nova agenda para as relações bilaterais futuras. O seu vetor principal é a limitação do crescente caos e o foco na resolução dos problemas globais. Tanto a Rússia, quanto mais os Estados Unidos, conseguem passar um sem o outro. Mas ambos têm muito menos hipóteses de sucesso no palco mundial se atuarem individualmente. O mundo inteiro ganharia se estes dois países, levando atrás de si outros, agissem o mais conjuntamente possível.
Serguêi Karaganov é decano da Faculdade de Economia e Política Internacionais da Universidade Nacional de Investigação – Escola Superior de Economia
Publicado originalmente pelo jornal Vedomosti
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