Ilustração: Niaz Karim
Quando criança, tinha uma insônia terrível. Quando não conseguia dormir, ficava até tarde lendo os contos de terror de Alfred Hitchcock. Recentemente, minha insônia voltou, e com ela minha inclinação pela leitura de contos de terror. Mas as terríveis histórias que tenho lido no meu tablet nas últimas noites não têm sido obras de ficção. Em vez disso, são artigos sobre o aumento da violência homofóbica na esteira da nova legislação antigay da Rússia. Logo após anunciar o seu próprio divórcio, o presidente Vladímir Pútin assinou uma lei que se refere aos chamados “valores familiares” e que está criando um ambiente cada vez mais hostil para a comunidade gay da Rússia. Sob a nova lei, os cidadãos e estrangeiros poderão ser detidos por apenas parecerem gays ou pró-gays.
Pelo que tenho lido, parece que essa nova legislação trouxe à tona o pior em termos de humanidade, fortalecendo os vândalos “repressores do crime” para atrair adolescentes gays a locais públicos, onde muitas vezes acabam sendo humilhados e brutalizados, enquanto as pessoas passam fingindo não ver nada. Em uma dessas histórias, vi a fotografia de um menino apavorado de joelhos, com os olhos vendados e usando apenas cueca, Na imagem seguinte, os homens que capturaram o garoto urinam sobre ele. Pior do que isso só outro artigo que descrevia o horrível assassinato de um garoto de 15 anos, no qual seus supostos amigos “... o torturaram e esmagaram sua cabeça contra uma pedra ...”, após ter revelado que era gay.
Fecho o meu tablet e olho para a minha parceira de oito anos adormecida em paz. O seu cabelo começou a ficar branco. Estamos envelhecendo juntas, penso eu. Nossos nomes há muito tempo se tornaram um borrão monossilábico nos lábios de amigos e familiares. Penso que somos sortudas. E se tivéssemos de viver a nossa vida juntos, em segredo, com medo de nossa segurança, de nossa liberdade? E se vivêssemos na Rússia?
Eu não sou a única americana que chegou a essa conclusão preocupante. Na verdade, meus medos ecoam a impotência e a indignação que se espalhou como fogo por todaa as comunidades gays do mundo à medida que histórias e imagens de brutalidade na Rússia inundam a internet. Mesmo depois de desconectar os nossos computadores e fechar os olhos, é impossível deixar de pensar no que está acontecendo na Rússia. Seja pelo Twitter ou pelos diversos canais de notícias 24 horas, estamos sempre conectados de alguma forma. Não podemos mais usar a desculpa de que não sabíamos. A pergunta, contudo, deve ser: o que podemos fazer?
Individualmente, não muito. Aqueles que poderiam causar um impacto imediato, como o Comitê Olímpico Internacional, não tomaram providência alguma. E, apesar de um editorial do “New York Times” invocar os Estados Unidos a ser mais contundente nas denúncias às leis antigay da Rússia, não estamos esperando sanções do governo em um futuro breve. Então, chegamos ao único recurso disponível para nós, desesperados para rejeitar um governo que está brutalizando nossa comunidade e seus próprios cidadãos. Vamos boicotar todos os produtos que vêm da Rússia, começando pela vodca.
A vodca, afinal, é um dos produtos de exportação mais famosos e rentáveis da Rússia e, de acordo com um estudo de marketing da Experian Simmons em 2011, 45% dos homens homossexuais e 44% das mulheres gays identificaram a vodca como sua bebida preferida. Aqui em Chicago, a Stolichnaya (Stoli) e Smirnoff lotam as prateleiras de casas noturnas e bares gays por toda a cidade. Mas, recentemente, os proprietários de bares em Chicago e em outras grandes cidades estão deixando de compras as vodcas russas. Enquanto a Stoli vai desaparecendo, brotam placas ao lado de fora desses estabelecimentos: “Orgulho de servir vodca não russa”.
Algumas pessoas alegam que o boicote é uma campanha mal direcionada. Afinal, os fabricantes da Stoli recentemente divulgaram uma carta condenando a recente legislação e ressaltando que, apesar de seus ingredientes serem cultivados na Rússia, sua vodca é destilada na Letônia. De repente, essa marca russa, outrora orgulhosa de sua nacionalidade, começou a se mexer para se distanciar da Rússia. Apesar da compreensível tentativa de amenizar o prejuízo, pode-se argumentar que, se Stoli estivesse verdadeiramente do lado da comunidade gay, poderia se comprometer a usar ingredientes cultivados em outro lugar. A verdade é que o mundo associa instantaneamente a Stolichnaya com a Rússia, porque seus fabricantes sempre a anunciaram como uma “vodca russa”. A Stoli agora deve viver e morrer pelo mesmo reconhecimento.
Nosso objetivo é simples: manter todo o dinheiro dos gays fora da Rússia. Ao descartar a Stoli e outras vodcas russas, estamos nos levantando pelos nossos irmãos e irmãs. Enquanto a Rússia continuar a desumanizar a comunidade gay, esse mesmo grupo vai continuar despejando todos os produtos russos esgoto abaixo.
Jennifer Kleiman é uma jornalista de
Chicago.
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