Ilustração: Niyaz Karim
Muito se discute sobre a possibilidade do primeiro-ministro russo Dmítri Medvedev ser afastado do cargo e substituído pelo ex-ministro das Finanças, Aleksêi Kúdrin. A maioria dos observadores acredita nessa mudança, embora possivelmente ocorra apenas na segunda metade do ano.
Fato é que o presidente Vladímir Pútin está, em parte, dando motivos para tamanha especulação. Ele tem feito o possível para agradar Kúdrin, que deixou seu posto no ano passado após uma desavença com Medvedev em torno dos gastos militares. Em várias ocasiões, Pútin elogiou Kúdrin publicamente e deixou claro que ele ainda é um personagem sênior do Kremlin.
Especula-se que o ex-ministro tenha recebido a proposta de diversas posições de alto nível no aparelho do governo, incluindo a de presidente do Banco Central e mais recentemente de chefe da administração presidencial, um dos papéis mais importantes do país. Porém, pelo que se sabe, Kúdrin recusou todas as ofertas e está aguardando a nomeação como primeiro-ministro.
É certo que ele vem se comportando como se estivesse em campanha e tem criticado expressamente o governo nos últimos tempos, pedindo reformas profundas para evitar a estagnação econômica. “Mesmo se arregaçarmos as mangas e começarmos a trabalhar agora, precisaremos de três a cinco anos para atingir novos níveis de eficiência”, disse Kúdrin em uma audiência parlamentar.
Kúdrin colocou parte da culpa pelo atual crescimento da apatia russa ao partido governista Rússia Unida. “O sistema político está ficando para trás dos desafios do tempo e não garante o mecanismo necessário para realizar uma modernização sistemática do país”, disse o ex-ministro recentemente. Ele também descartou o otimismo do ministro da Economia (e o consenso do mercado) de que o crescimento vai ser acelerado na segunda metade deste ano.
Considerando que os meios de comunicação são, em grande parte, controlados pelo Estado, as críticas afiadas e de alto nível disparadas por Kúdrin não seriam possíveis sem certa aprovação do Kremlin. O analista Chris Weafer especula que Kúdrin esteja sendo usado pelo próprio governo para dois objetivos.
“O primeiro é para Pútin mostrar ao povo russo que o homem que eles consideram ‘de segurança’ está esperando ser chamado e que pode se juntar à equipe do governo no caso de qualquer crise. O segundo objetivo é lembrar o atual primeiro-ministro e seus assessores que, se fizerem algo de errado e não conseguirem melhorar o cenário econômico, o próximo premiê já está pronto para assumir o cargo”, garante Weafer.
Isso é provavelmente verdade. Para compreender melhor a situação, é importante perceber que Pútin é um estrategista de longo prazo que já traçou o seu programa até 2020. Trata-se da segunda fase de sua estratégia. A primeira se desenrolou de 2000 a 2008, quando o presidente procurou retomar o controle do sistema político das mãos dos oligarcas, resolver os piores problemas econômicos e iniciar a segunda rodada de grandes privatizações.
A segunda fase teve início com a posse de no ano passado e tem como objetivo reafirmar a autoridade do governo – desta vez sobre os seus próprios funcionários, que têm servido a si mesmos. E os roteiros para reforma, iniciados em maio passado, são uma tentativa de melhorar sistematicamente o aparelho político e social da Rússia.
Em termos práticos, isso significa que Pútin tem várias etapas a percorrer. Ele antecipou os roteiros de reforma no fórum de investimento do Sberbank em 2011, enquanto ainda era primeiro-ministro do país. Mas nos últimos nove meses, quase 30 roteiros foram lançados e todos estão nas mãos de Medvedev.
Em paralelo à definição da agenda econômica, Pútin também lançou a ideia principal de sua estratégia política: assumir o controle mais rígido sobre o governo, isto é, combater a corrupção. Uma tentativa de institucionalizar essa campanha surgiu há alguns meses com novas leis que proíbem os deputados e funcionários do governo de possuir bens no exterior. Em 2000, quando Pútin chamou os oligarcas para uma reunião sobre o assunto, havia apenas 20 homens para persuadir; dessa vez, trata-se de alinhar uma equipe com mais de um milhão de funcionários e burocratas.
É evidente que Medvedev está politicamente vulnerável no momento. A atual desaceleração econômica era amplamente esperada (embora tenha sido mais radical do que o previsto) e o premiê é um bode expiatório ideal que pode ser sacrificado a qualquer momento. Porém, embora a Rússia esteja sofrendo em termos econômicos e as pessoas se preocupem cada vez mais com a situação, as coisas não são tão ruins para dar cartão vermelho ao primeiro-ministro. Vários jornais russos especulam que isso deve ocorrer na segunda metade do ano, e apenas se a economia sofrer uma queda ainda maior.
Um segundo argumento para o atraso dessa decisão é que o capital político de Pútin é realmente muito limitado. Ele acaba de lançar um ataque assustador à sua própria máquina política e, por isso, precisa estar no controle desse processo antes que ocorra qualquer reviravolta. As auditorias de deputados e empresas estatais vão estar prontas em junho ou julho, quando o processo de aplicação das novas regras será iniciado.
A chegada de Kúdrin deve causar um deslocamento na política interna. A palavra em Moscou é que ele não só quer ser primeiro-ministro, mas quer amplos poderes para fazer grandes reformas. Assim, ele vai acabar pisando no calo de vários personagens da elite e precisará de grande apoio de Pútin para perpetuar suas mudanças.
A ascensão de Kúdrin ao poder representaria um divisor de águas não só para a situação interna, mas também para a imagem da Rússia. Os investidores estrangeiros têm apreço pelo ex-ministro e dariam tudo para vê-lo como premiê. Esse movimento seria certamente seguido por um grande aumento tanto no investimento direto como no portfólio de investimentos. Essa é uma carta muito importante a ser lançada na mesa, considerando o objetivo declarado do governo de aumentar o investimento.
Mas quando isso acontecerá? Certamente, não agora. A popularidade global do rublo está em baixa. A situação deve melhorar se a tão esperada recuperação econômica mundial no segundo semestre deste ano realmente se concretizar. Talvez seja preciso esperar até o próximo ano, quando a recuperação na Rússia e em outros lugares será muito mais robusta. Ou levará ainda mais tempo para deixar Medvedev fazer a maior parte do trabalho sujo e trazer Kúdrin com o objetivo de polir a situação na sequência.
Ben Aris é economista, editor chefe do jornal Business New Europe.
Publicado
originalmente pelo Business New Europe
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