Ilustração: Niyaz Karim
Em geral, não faz sentido discutir o risco de inadimplência norte-americana, porque é impossível precisá-la. O pior cenário é o de calote total, o que é mais do que possível. De acordo com especialistas, as necessidades atuais das famílias americanas excedem a renda em US$ 3 trilhões a cada ano. O déficit é parcialmente financiado pelo aumento da dívida federal.
Os EUA aumentam sua dívida em mais de US$ 125 bilhões por mês, assumindo juros sobre a dívida atual. Atualmente, o teto da dívida nacional dos EUA está em US$ 16.394, já ultrapassado em 31 de dezembro de 2012. O Departamento do Tesouro dos EUA tomou medidas para continuar atendendo ao serviço da dívida até 19 de maio de 2013. A Standard & Poor, Moody's Investors Service e Fitch Ratings não descartam rebaixar a classificação dos EUA em 2013 por problemas orçamentais e dívidas, podendo elevar ainda mais os juros e, consequentemente, a própria dívida.
As consequências iniciais de uma inadimplência total seria a suspensão dos pagamentos no setor de títulos do governo e de pagamentos em dólares norte-americanos. Isso seria seguido por uma derrocada no mercado de ações norte-americano e seu fechamento por vários dias. A queda de outros índices mundiais seria automática. O PIB mundial iria despencar e a demanda por matérias-primas, evaporar. Ninguém iria comprar petróleo, gás ou aço durante algum tempo.
A paralisação dos pagamentos no mercado Forex também é possível. Tudo dependeria da rapidez com que os bancos centrais e comerciais, assim como os principais fundos, conseguissem determinar a moeda principal de liquidação. Os pagamentos provavelmente continuariam em euros, libras esterlinas e ienes japoneses como moedas básicas e mais líquidas.
Em seguida, o dinheiro seria transformado em caixa, permitindo acelerar significativamente a inflação: a massa de dinheiro iria crescer e as moedas nacionais seriam desvalorizadas.
Uma interrupção dos pagamentos de títulos americanos e uma queda nos índices da bolsa de valores iriam inevitável e inexoravelmente causar a falência total da maioria dos bancos e fundos mundiais. Uma enorme fatia da “riqueza” mundial simplesmente “desapareceria”.
Rússia, um mês depois
A Rússia é hoje mais vulnerável a um choque econômico global do que era em 2008 – sobretudo porque o Fundo de Reserva se esgotou e o orçamento federal está ainda mais dependente do petróleo. Antes da crise, o orçamento russo foi equilibrado, com os preços do petróleo girando em torno de US$ 50 a 60 por barril. Para equilibrar o orçamento atual, no entanto, o preço do petróleo teria que ser US$ 120, de acordo com estimativas.
Cerca de 40% da receita do governo é gerada pelo petróleo e gás, e o orçamento russo como um todo depende dos preços das commodities.
Após um possível calote dos EUA, as receitas orçamentais cairiam proporcionalmente aos preços rebaixados das commodities, e o Ministério das Finanças teria de cortar gastos – uma medida muito dolorosa. As transferências sociais iriam certamente diminuir, enfraquecendo ainda mais a demanda já lenta, que por sua vez não seria mais amparada pelos enormes gastos do governo.
Em seguida, toda a atividade empresarial orientada para a exportação iria diminuir. Os produtores voltados para o mercado interno teriam trégua temporária (como foi o caso em 1998), e a indústria de alimentos poderia de alguma modo aumentar seu volume de negócios. No mercado interno, a situação dependeria muito do pagamento de salários e pensões, já que não haveria outras fontes de demanda, como o crédito e as despesas do Estado.
Até certo ponto, a Rússia iria se beneficiar com os investimentos diretos e de carteira diversificada no país já estarem em nível muito baixo; a saída líquida de capital (atualmente US$ 80 bilhões ao ano) pode até mesmo diminuir como resultado da incerteza. Assim, a Rússia já estaria amortizada pelas “más notícias”, de modo que uma possível queda seria menos destrutiva.
No entanto, após o choque inicial, as empresas russas continuariam a fornecer petróleo, gás e metal para a União Europeia e China em condições mais duras de pagamento em várias moedas. Isso porque não haveria consenso sobre o equivalente universal e o valor de mercado. Consequentemente, as receitas orçamentais iriam ser gradualmente recuperadas.
Pela política de câmbio do Banco Central da Rússia, uma nova moeda à qual atrelaria a taxa do rublo seria provavelmente escolhida. Obviamente, seria a moeda que permaneceu mais estável durante o período de turbulência. Talvez um dólar “encolhido” ou o euro, mas também poderia ser uma cesta de moedas, incluindo algumas novas. Assim que surgisse o sistema de coordenadas de moeda, o carro-chefe da economia russa — exportação de commodities — voltaria vigorosamente. Os exportadores de commodities teriam oportunidade de se transformar em verdadeiros atores globais.
O setor bancário russo voltaria para o modelo soviético, no qual, após a falência de todo o setor, 100% dos ativos dos bancos restantes foram consolidados em 2 a 3 bancos estatais não envolvidos em mercados financeiros mundiais: Sberbank, Gazprombank e Rosselkhozbank. Talvez a corporação estatal Vnechekonombank seria conservada para lidar com transações atípicas.
O orçamento russo e as empresas estatais iriam tentar atenuar as consequências da queda da renda familiar; o país veria “novos empregos” e pagamentos a famílias de orçamento modesto, como em épocas anteriores, durante os anos mais difíceis da economia. Os gastos do governo, além de pensões e as despesas de companhias estatais seriam encerrados instantaneamente, com exceção de pagamentos de impostos reduzidos e salários. Isso preservaria alguma liquidez no primeiro mês.
De um modo geral, as empresas russas e os órgãos do governo se sentiriam muito confortáveis nessa economia absolutamente catastrófica. A experiência dos piores anos de crises em 1992, 1998, 2004 e 2008 deram a essas instituições ferramentas úteis, como regras e esquemas de operação.
Stanislav Macháguin é diretor-executivo do fundo de investimento Estratégias Pessoais.
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