Lukianov considera a incorporação da Crimeia à Rússia como um passo pragmático das autoridades russas Foto: Vladímir Stakheev/Gazeta Russa
O conflito no leste da Ucrânia e suas implicações internacionais foram o tema principal da palestra proferida pelo cientista político russo e editor-chefe da revista "A Rússia nos Assuntos Globais", Fiódor Lukianov, no último sábado (6) na Biblioteca de Literatura Estrangeira de Moscou.
Lukianov manifestou a esperança de que o acordo alcançado na véspera entre as milícias e as forças armadas da Ucrânia seja durável. Apesar do fato de haver uma série de dificuldades, a resolução do conflito continuará a ser buscada já por meios políticos e não militares, disse ele. A situação em que a Rússia e a Ucrânia se encontraram, no estado de "quase guerra", de acordo com ele, indica uma falha completa da política russa, ocidental e ucraniana.
Soberania não realizada
O cientista político tem certeza de que em mais de 20 anos de independência, o Estado ucraniano não conseguiu ser construído com uma sociedade coesa. Ele afirma que a verdadeira e principal causa que estava crescendo durante os anos foi a controvérsia na comunidade ucraniana. Para ele, não trata-se apenas da oposição do Ocidente, que pretende ser parte da Europa, e do Leste pró-russo. É mais complicado do que isso: a sociedade ucraniana foi e continua ser dividida por vários parâmetros, inclusive o social.
"Na Ucrânia, o poder dos oligarcas tornou-se a base para o modelo de Estado", explica Lukianov. "O mais impressionante é que o Maidan e a Revolução derrubaram tudo, mas os oligarcas continuam em seus lugares, e as pessoas que vemos na política ucraniana são exatamente as mesmas que nos últimos 20 anos levaram o país à situação de hoje", disse o analista.
Ao mesmo tempo, de acordo com Lukianov, a relação entre a Rússia e o Ocidente mudou. Durante muito tempo, Moscou buscou cooperar e manter uma aliança com o mundo ocidental. Pútin, que agora é conhecido como o pior inimigo do Ocidente, começou seu governo como um político que visava a cooperação com os Estados Unidos e a Europa. Mas, ao final, Rússia e Ocidente não conseguiram encontrar uma linguagem comum. O Ocidente ofereceu a Moscou copiar seu modelo, com o que os líderes russos não concordaram por causa da ambição e também devido ao fato de a Rússia ser um país muito específico para se desenvolver com um país europeu médio.
O desentendimento entre as duas partes levou ao fracasso das tentativas de aproximação e às relações frias entre a Rússia e o Ocidente no momento quando começou a crise da Ucrânia. Começou o "cabo de guerra" entre a Europa e a Rússia: cada um quis integrar a Ucrânia à sua área de influência.
Lukianov considera a incorporação da Crimeia à Rússia como um passo pragmático das autoridades russas. No caso da consolidação em Kiev de um regime abertamente anti-russo (como era e continua ser o regime que derrubou Yanukovich), em breve, apareceria a questão da retirada da Frota do Mar Negro de Sevastopol.
"Por várias razões não relacionadas com a Ucrânia, a Rússia não vê como possível a retirada da Crimeia e a perda da possibilidade de projetar as forças para o sul", disse o analista.
“Depois da Crimeia, começou um efeito de dominó que provocou inclusive as autoridades de Kiev: em vez de imediatamente começar a reunificação do país, eles começaram a se comportar de maneira não-construtiva, seguindo a lógica ‘o Maidan ganhou, e aqueles que estão contra o Maidan não devem falar’, o que causou a indignação no leste do país.”
De volta para a URSS?
O analista acredita que as autoridades russas não poderiam planejar a situação na Ucrânia com antecedência. A Rússia chegou a um momento de escolha existencial, diz Lukianov.
"É uma tentativa de voltar mentalmente a uma intersecção que enfrentamos nos anos 80, quando Gorbatchov escolheu uma linha de cooperação com o Ocidente. Uma vez que esse modelo tem levado a resultados estranhos (em primeiro lugar, para os líderes russos), há um desejo de voltar para a intersecção e tentar escolher outro caminho: o fortalecimento da soberania, do prestígio e assim por diante.”
Lukianov duvida que esse caminho seja correto. O cientista político acredita que o tempo vai mostrar se o país seguirá por ele e que “enfrentaremos ainda muitos choques".
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