Estudiosos e pesquisadores de Relações Internacionais presentes ao seminário lembraram a expansão da Otan no período posterior à desagregação da União Soviética Foto: Thiago Ripper
Diretor-executivo do Comitê Nacional da Rússia de Pesquisa sobre os Brics e da Fundação Russkiy Mir, Geórgui Toloraia destacou o papel preponderante que seu país passou a ocupar no bloco. Os planos de cooperação regional e multilateral debatidos, como a criação de um fundo de apoio contra instabilidades financeiras dos países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e de um banco de fomento, demonstram para Toloraya o elevado potencial dessa cooperação, ressaltado na recente visita do presidente Vladimir Putin à América Latina.
Toloraia esteve no Rio para o seminário Política Externa Russa, promovido pelo Conselho Empresarial Rússia-Brasil e pelo Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), na sede da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro).
Para ele, a visão distorcida que prevalece em grande parte da mídia e das elites do Ocidente é um obstáculo a ser superado pela diplomacia russa.
"Hoje somos identificados com a Coreia do Norte, um país isolado, atrasado e de regime ditatorial", diz Toloraia. É um preconceito que trata a Rússia como herdeira direta da União Soviética. "Com o comunismo, éramos carta fora do baralho. Fizemos a reforma capitalista, e seguem nos destinando papel secundário, de fornecedor de energia e matérias-primas."
Esse desencanto ajuda a explicar o entusiasmo russo com os Brics, a busca de uma opção econômica e um projeto político alternativo às instituições de Bretton Woods (Fundo Monetário Internacional - FMI e Banco Mundial - BIRD).
Animado com o crescente entrosamento dos Brics, Toloraia mostra cautela, entretanto, ao comentar os possíveis termos da integração russa com a maior economia do bloco, a China. O pesquisador teme que a seu país fique mais uma vez reservado um papel subalterno, com a China fornecendo tecnologia e produtos de maior valor agregado, e comprando energia e matérias-primas.
Ele admite, entretanto, o risco de um isolamento diplomático crescente da Rússia, deixando a China como uma das principais opções de intercâmbio econômico significativo.
Sem fazer menção direta às sanções diplomáticas e econômicas coordenadas pelos Estados Unidos em resposta às manobras russas na Ucrânia, Toloraya questiona o momento atual. "As formas de guerra mudaram. É possível esmagar um país sem usar armas, quebrando-o por dentro", explica.
Assim, segundo ele, a América Latina, onde a opinião média sobre a atuação russa não é tão negativa, cresce em importância como alternativa de cooperação em diferentes áreas, como petróleo, gás natural e indústria aeroespacial.
Sanções
Mediador do debate, o jornalista Guilherme Serôdio, do Valor Econômico, questionou Toloraia sobre o efeito de sanções como a restrição à compra de ações de bancos russos e a venda de dutos para transporte de petróleo e gás. "O regime de escassez também afeta a Europa. Fora dos EUA, o gás de xisto não é alternativa ao gás de duto, pelo impacto ambiental e a falta de escala", explica.
Maior demandante de gás natural e petróleo da Rússia, a Europa é seu maior fornecedor de bens de consumo. Assim, um cenário de continuidade das sanções alimentaria a insatisfação da classe média emergente na Rússia, afetando a popularidade do governo, e prejudicaria as exportações. "A queda de rating da dívida soberana e dos títulos privados reflete esses problemas, agravados pela escassez de tecnologias próprias", afirma Toloraia.
Foto: Thiago Ripper
A opção chinesa é a melhor em escala de mercado para suprir a lacuna europeia, mas Toloraya não nega o temor russo de bases prejudiciais a seu país. Um grande contrato de fornecimento de gás natural russo para a China, por exemplo, exigiu enormes concessões, somente viáveis com o envolvimento do poder central.
"A cooperação política tem que ir à frente, dada a força preponderante de estatais e do financiamento governamental na África, na América Latina e no Sudeste da Ásia,” exemplifica.
Para o pesquisador, a China não busca obrigar seus parceiros a oferecer vantagens. "Eles apostam nos diferenciais competitivos que dispõe. Da Rússia, recebem só armas, energia e matérias-primas. Da Austrália, basicamente minério de ferro e carvão, vendendo para eles produtos industrializados. O Brasil vive quadro muito semelhante com a China," conclui.
Queda de avião
A derrubada do avião da Malaysian Airlines agravou a crise na Ucrânia, estressando ao máximo a relação entre a Rússia e o governo do país vizinho. Segundo Toloraia, o gabinete ucraniano chegou a aventar a intervenção de tropas da Otan para acabar com os separatistas, o que deixaria tropas europeias e americanas a pouco mais de 600 km de Moscou.
"A situação deve ser resolvida pelos ucranianos, sem interferência externa, mas o que pouca gente leva em conta no Ocidente é a pressão sobre Pútin para que intervenha em favor da etnia russa, numerosa na Ucrânia," explicou. A reanexação da Crimeia, território da então República Socialista Federativa Soviética da Rússia cedido à Ucrânia por ocasião dos acordos de separação da União Soviética, se explicaria nesse contexto.
Estudiosos e pesquisadores de Relações Internacionais presentes ao seminário lembraram a expansão da Otan no período posterior à desagregação da União Soviética, e questionaram por quanto tempo a Rússia assistiria a esse cerco sem reagir. "Entre deputados e personalidades de destaque na vida russa, é cada vez mais comum ouvir opiniões assim,” argumenta.
A Rússia deve se preparar para um longo período sem cooperação ou amizade com o G-7, o grupo dos países mais ricos do mundo. Mas uma escalada de confronto aberto está descartada.
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