A lei determina que todas as placas (publicidade, cartazes informativos, sinalização) devem estar em ucraniano, mas é comum encontrar mensagens em russo Foto: AFP/East News
“Duas línguas levam a grandes dificuldades”, escreveu Benjamin Franklin. Isso é o que devem ter pensado os deputados ucranianos logo após a deposição do presidente Víktor Ianukovitch no final de fevereiro passado. A sua primeira decisão foi suprimir o direito das regiões que adotam o russo como segunda língua oficial, mas milhões de ucranianos que falam russo como língua materna ou preferencial se sentiram ofendidos, aumentando a tendência pró-russa na Crimeia e no leste do país.
A grande dificuldade não vem da incompreensão mútua, porque a quase totalidade dos ucranianos compreendem as duas línguas e a grande maioria é bilíngue. O grau de inteligibilidade mútua entre as duas línguas é elevado, tanto na forma oral quanto na escrita. A língua russa é dominante na bacia do Donets, no sudeste da Ucrânia, e nas principais cidades do trajeto entre Odessa, Kharkiv e Crimeia. No norte e oeste da Ucrânia, assim como em áreas rurais, predomina a língua ucraniana.
1. Mais de 140 milhões de habitantes na Rússia e 300 milhões nos países da ex-União Soviética utilizam o russo como língua de comunicação.
2. O russo é uma das seis línguas oficiais utilizadas na ONU e na Unesco. A Rússia tem um assento no Conselho da Europa.
3. A Rússia, mercado em plena expansão, apresenta necessidade de especialistas russófonos em todos os setores.
4. Conhecer o russo facilita o aprendizado de outras línguas eslavas. O russo continua sendo a “língua franca” dos países do leste europeu.
5. Um grande número de escritores, filósofos e estudiosos de renome mundial escreveram ou escrevem em russo.
Segundo uma pesquisa realizada em 2010 pelo grupo Research & Branding, o ucraniano é a língua materna de 65% dos habitantes do país, enquanto o russo é a língua materna de 33%. Mas a pesquisa também destaca um paradoxo. O domínio do idioma russo é maior que o do ucraniano. No entanto, 46% da população prefere a utilização desse último, enquanto 38% prefere o russo. No discurso público, isso se traduz em uma reclamação generalizada dos ucranianos que acusam seus políticos de falarem mal a língua nacional. É notório que Viktor Ianukovitch e seu ex-primeiro-ministro, Nikolai Azarov, se expressam melhor na língua de Dostoiévski do que na do poeta ucraniano Taras Chevtchenko.
Isso também vale para os líderes nacionalistas ucranianos, como a ex-primeira-ministra Iúlia Timochenko ou o ex-boxeador Vitáli Klitchkó, originários respectivamente de Dnepropetrovsk e Kiev. Vitáli discursou repetidamente em russo para milhares de militantes no auge dos protestos em Kiev, em fevereiro.
Escritores ucranianos mundialmente conhecidos como Andrêi Kurkov, escrevem em russo, o que enfurece os nacionalistas, que defendem um estatuto dominante da língua ucraniana, que seria “ameaçada” pela hegemonia do russo.
“Não há dúvidas de que proibir o russo não viola os direitos individuais”, pondera Artiom Loutsak, um membro do movimento nacionalista Pravi Sektor, da região de Lviv. Além disso, “todos os povos da Ucrânia têm o direito de falar suas línguas, mas também devem falar ucraniano, que é a língua do povo titular”, diz Loutsak.
Tentativa de aproximação com a União Europeia
O especialista ucraniano Alexander Kava, nascido em Termopil, no oeste da Ucrânia, avalia que as divisões acerca da língua vêm da intolerância do governo. “A política de Estado é dominada pelos ucranianos do oeste, que consideram seu ponto de vista como o único correto. Essa abordagem não levou à consolidação do país, porque os habitantes da Crimeia e de outras regiões do sudeste sentiram-se tratados como cidadãos de segunda classe, falantes de uma ‘má língua’”, explicou.
O conflito acerca da língua foi rapidamente politizado após a chegada ao poder de forças favoráveis a uma aproximação com a União Europeia, em 2005. Essa política já deu seus frutos. Há dez anos o idioma russo dominava Kiev, capital da Ucrânia. Hoje ocorre o contrário, e os diálogos bilíngues são frequentes.
Imposição em placas, liberdade nas mídias
Outro fenômeno puramente ucraniano, o sourjik, um dialeto do nordeste da Ucrânia, mistura as duas línguas e é falado por mais de 20% da população. A televisão transmite em ucraniano, mas às vezes um convidado resolve falar em russo no ar.
A lei determina que todas as placas (publicidade, cartazes informativos, sinalização) devem estar em ucraniano, mas é comum encontrar mensagens em russo - por exemplo, “o elevador está estragado”.
Sessenta por cento das músicas tocadas nas rádios são russas, mas filmes russos transmitidos no cinema ou na televisão agora devem ser legendados ou dublados em ucraniano.
Em contrapartida, a imprensa escrita continua tendo liberdade. Um dos principais jornais do país, o “Segódnia”, só é publicado em russo, enquanto outros têm tiragens em russo e em ucraniano ou unicamente em ucraniano. É difícil encontrar livros e jornais em ucraniano no sudeste do país, enquanto no oeste não se encontram mídias impressas em russo.
“Não se vive em um país, se vive numa língua”, disse o filósofo romeno Emil Cioran. Ao recusar a coabitação com os russófonos, os nacionalistas ucranianos correm o risco de viver em breve em um país estreito.
Os primeiros vestígios da língua russa no atual território da Ucrânia remontam ao século 12. Uma onda de colonos fortaleceu o idioma no século 16. A russificação foi acelerada no século 18 com as aquisições territoriais do Império Russo. O czar Alexander 2º proibiu livros didáticos e religiosos em ucraniano em 1876. A URSS, por sua vez, encorajou o ensino do ucraniano nas escolas, mas conservou um lugar predominante para o russo na sociedade.
Confira outros destaques da Gazeta Russa na nossa página no Facebook
Todos os direitos reservados por Rossiyskaya Gazeta.
Assine
a nossa newsletter!
Receba em seu e-mail as principais notícias da Rússia na newsletter: