Brasil volta a ser opção para quem quer deixar o maior país do mundo

Russos têm facilidade para se adaptar a clima e língua do país Foto: Reginaldo Costa Teixeira

Russos têm facilidade para se adaptar a clima e língua do país Foto: Reginaldo Costa Teixeira

Em cinco anos, de 2002 a 2007, o fluxo turístico de russos no Brasil cresceu quase 300% e muitos chegaram para ficar.

“Quero ir para o Brasil, para os distantes litorais”. Qual russo não conhece o clássico da música popular de seu país e nunca sonhou em realizar sua letra? Agora ela se torna ainda mais atual, quando o Brasil volta à mira daqueles que desejam deixar o maior país do mundo e tentar a sorte aqui.

Brasileiros na Rússia, o outro lado

Enquanto russos que migraram para o Brasil se familiarizam com a avenida Paulista, as praias ou o Plano Piloto, na Rússia brasileiros também marcam presença. Seja na famosa rua Arbat e na Praça Vermelha, em Moscou, ou na Avenida Niévski, em São Petersburgo, sempre é possível encontrar um conterrâneo por ali. São inúmeros os grupos de capoeira em visitação ou fixos no país, jogadores de futebol, escritores e até alguns cantores.

A estimativa da embaixada brasileira em Moscou, calculada com base em cadastros consulares, é de cerca de 900 brasileiros vivendo atualmente na Rússia.

“De maneira geral, os brasileiros não buscam vínculo imigratório de longo prazo. A maioria estuda em universidades, especialmente em cursos de medicina. E boa parte dos estudantes brasileiros vive em Moscou, Kursk ou Belgorod”, explica Igor Germano.

O especialista em investimentos Michel Dracxler, que mora na Rússia há três anos, admite que sofreu com a língua, o clima e, principalmente, a cultura.

“O conselho que eu daria para quem quer morar aqui é estar preparado para uma mudança radical de clima, de estilo de vida. A cultura é opressora e os resquícios do comunismo ainda imperam bastante”, diz.

Já a cantora Gabriella da Silva, que vive há sete anos em Moscou, ressalta a segurança como ponto forte da Rússia.

“Sou casada com um russo e tenho dois filhos. Aqui, me sinto segura de verdade, não tenho medo de andar na rua, isso sem falar na educação e na saúde. O Brasil ainda deixa muito a desejar nesses quesitos”, afirma.

Veterano em Rússia, o professor Vicente Barrientos, que mora há 25 anos no país, lembra que a maior dificuldade que um brasileiro pode enfrentar no país é a falta de conhecimento prévio.

Para ele, é preciso estar preparado para novas experiências e dificuldades. “É preciso ter muita disposição e desejo de aprender e entender, além de muita paciência e tolerância com o desconhecido. E, claro, uma passagem de avião, para o caso de querer abandonar o ‘sonho russo’”, brinca.

De acordo com dados do último censo do IBGE, realizado em 2010, cerca de 25 mil russos vivem espalhados pelo Brasil, principalmente em quatro Estados: São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Goiás. O crescente aumento no interesse pelo turismo, impulsionado sobretudo pela queda do regime de vistos para esses fins, tem fomentado a migração para o Brasil.

De acordo com Isabela Alves, gerente da agência de turismo Superior Plus, especializada em trazer russos para o Brasil há mais de 15 anos, o 'descobrimento' do Brasil após os turbulentos anos 1990 foi tímido, mas teve um boom em 2005.

"Os russos preferem mais viajar individualmente, mas nessa época de pico, precisávamos operar em grupos, para dar conta da demanda", conta.

Porém, a crise do final da década de 2000, somada ao fim da exigência de visto, fez o movimento da agência cair muito.

"Tenho clientes que já vieram várias vezes ao Brasil. Russos são incríveis, não têm medo de nada. Eles chegam, só falando a língua deles, e fazem o que têm que fazer. São muito adaptáveis", diz.

Crise pós-soviética

Depois da chamada “década perdida”, quando a economia russa estava em frangalhos após o fim da União Soviética nos anos 1990, e da grave crise de 1998, os anos 2000 começaram de forma promissora.

Em cinco anos, de 2002 a 2007, o fluxo turístico de russos no Brasil cresceu quase 300%, de acordo com dados da Embratur.

Mas a crise de 2008 paralisou o processo, que só foi normalizado a partir de 2011, quando a companhia russa Transaero chegou até mesmo a testar um voo direto entre Moscou e Rio de Janeiro.

Para Ângelo Segrillo, professor de história da Universidade de São Paulo (USP) especializado em Rússia, o êxodo se tornou uma alternativa após as seguidas crises econômicas, que estimularam russos a deixar o país em busca de melhores oportunidades.

“O Brasil é visto como um país exótico. Futebol, floresta amazônica, Rio de Janeiro e suas praias... O russo comum não conhece muito sobre o Brasil, além das visões mais gerais”, explica.

Segundo ele, o fator do clima pode ser determinante na escolha pelo Brasil. Afinal, acostumados a um clima extremamente frio e também a uma população multiétnica na pátria, os russos teriam uma facilidade muito grande de se adaptar a países como Brasil, Estados Unidos ou Austrália.

“Se tiverem opção, escolhem os climas mais moderados do sul, pois o calor lhes é difícil de aguentar. Em especial, adaptam-se muito bem à língua. É bastante comum encontrar russos falando português com muito pouco ou quase nenhum sotaque.”

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Dificuldades no país

Ainda assim, a adaptação tem seus percalços, sobretudo quando esbarra na burocracia: o ranking mundial da modalidade, criado pela consultoria Grant Thornton, tem o Brasil em 2º lugar e a Rússia, em 6ª.

Se obter um visto de trabalho ou de permanência é muito difícil, a cidadania ou naturalização são verdadeiras “missões impossíveis”, que demandam muito tempo, dinheiro e vontade dos requerentes.

A consultora de recursos humanos Ekaterina Lukianova, 24 anos, mora há três anos em São Paulo e é casada com um brasileiro, mas ainda não tem a cidadania do país, que só é conferida aos estrangeiros após cinco anos vivendo no Brasil. Ela conta que mesmo o visto de residente foi difícil de conseguir.

“Na primeira vez, por descuido do setor de estrangeiros, meu nome foi digitado com erro em um dos documentos e tive que recomeçar o processo de solicitação da permanência, ou seja, demorou o dobro da maioria das pessoas”, diz.

Além disso, Lukianova conta que foi roubada recentemente e perdeu seus documentos. “A 'multa por ser roubada’ [a taxa paga pela segunda via] é de R$ 300. Me deram um RNE [registro  temporário para estrangeiros] válido por 6 meses. Estamos indo para o 8° mês desde o incidente e meu documento ainda está sendo impresso em Brasília, sem prazo determinado”, lamenta.

Outra russa que imigrou para o Brasil nos últimos anos foi Olga, que não quis ser identificada pelo nome real, já que está em situação irregular no país.

De origens multiétnicas – o pai é russo étnico e a mãe, da Inguchétia, república da Federação Russa no Cáucaso do Norte -, Olga viu no Brasil a chance de trabalhar e viver em paz.

“Morei em duas cidades no sul da Rússia e, depois, em Moscou. Além das condições de trabalho serem muito ruins, a xenofobia lá é algo assustador, e eu mesma fui vítima”, conta.

A arquiteta veio como turista ao Brasil há dois anos e acabou ficando. Hoje, ela trabalha como free-lancer para algumas agências e recebe ajuda da família, que permanece na Rússia.

Assim ela mantém um pequeno apartamento em Copacabana, destino brasileiro mais conhecido entre os russos, graças às peripécias do simpático malandro Ostap Bender, protagonista do romance adaptado para o cinema “As 12 cadeiras”, extremamente popular no país.

“Muitos russos chegam ao Brasil para fazer negócios: importar produtos, agenciar ‘cérebros’... Outros vêm para trabalhar como professores ou especialistas, já que o Brasil tem uma carência muito grande de mão de obra qualificada”, diz Olga, que também faz duras críticas ao processo brasileiro de regularização.

“Precisei sair do país algumas vezes para tentar ficar legalmente. Agora, simplesmente desisti. Tudo é muito complicado, demorado, a burocracia no Brasil é pior que a da Rússia! Vou vivendo aqui e esperando minha documentação. Ou meu casamento. O que vier primeiro”, diz rindo, enquanto fala com o namorado brasileiro ao telefone.

Para enfrentar a burocracia, uma dica preciosa que a embaixada do Brasil na Rússia dá aos interessados em morar no Brasil é consularizar os documentos, que significa submeter os documentos russos à verificação pelo governo brasileiro.

“O procedimento segue um rito burocrático, que envolve o Ministério da Justiça  e o Ministério dos Negócios Estrangeiros russos”, explica Igor Germano, chefe do Setor Cultural e de Imprensa e Divulgação da Embaixada do Brasil em Moscou.

Entre os problemas com a burocracia e a luta diária para entender o português, seja em São Paulo, no Rio de Janeiro ou Rio Grande do Sul, os russos vão se adaptando aos costumes e ao modo de ser brasileiro.

Os sorrisos ficam mais fáceis, as conversas, mais leves, e a seriedade de quem trata originalmente desconhecidos por “vós” vai dando lugar à informalidade de papos com qualquer um a qualquer hora. Só uma coisa não muda: russos não abrem mão da “toská”, a saudade de sua terra, discutida, preferencialmente, com muitas xícaras de chá, até altas horas, na cozinha.

História da imigração russa no Brasil

As relações entre Rússia e Brasil tem raízes profundas. O primeiro contato teria acontecido em 1804, quando o naturalista G. I. Langsdorf aportou no Recife.

Já em 1825, a Rússia foi o 27º país a reconhecer a independência do Brasil. Foi a partir do início do século 20 que o fluxo migratório foi estabelecido, atingindo números relevantes logo após a Revolução de 1905, quando algumas centenas de exilados políticos obtiveram refúgio na recém-fundada república sul-americana.

Mas só após a Revolução Bolchevique de 1918 o Brasil se tornou, definitivamente, um destino para os russos. Nos dez anos que se seguiram, alguns milhares de perseguidos após o fim da monarquia se estabeleceram, principalmente, em São Paulo e no Rio de Janeiro.  

Outros contingentes também aportaram em terras brasileiras, vindos de comunidades russas na China, após o fim da 2ª Guerra Mundial.

De acordo com dados do Memorial do Imigrante, cerca de 124 mil russos chegaram ao Brasil entre 1918 e 1947 –embora, tecnicamente, não tenha sido feita qualquer diferenciação entre russos, ucranianos, outros povos eslavos e mesmo de países da ex-URSS, como os países bálticos e centro-asiáticos.

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