Como impedir um novo refúgio da Al Qaeda na Síria

Moscou acredita que a queda de Assad levará o país ao caos, que poderá se expandir em seguida para todo o Oriente Médio Foto: Reuters

Moscou acredita que a queda de Assad levará o país ao caos, que poderá se expandir em seguida para todo o Oriente Médio Foto: Reuters

Moscou rejeita rótulo de defensora obstinada de Assad, mas desaprova des-tituição do presidente sírio.

A inflexível posição da Rússia contra um ataque internacional à Síria levou muitos a refletir por que o país defende o presidente Bashar al-Assad. Tanto as ambições geopolíticas de Moscou como os contratos bilionários de empresas russas no país são apontados como causas. 

Mas a aliança estratégica entre Rússia e Síria é um mito, segundo especialistas. “Não faz sentido atribuir a posição de Moscou a seus interesses econômicos ou militares. As trocas comerciais com a Síria movimentam cerca de US$ 2 bilhões por ano e não têm grande importância para a Rússia”, diz Marina Sapronova, professora do Instituto de Relações Internacionais de Moscou (MGIMO).

Sapronova lembra também que a Síria não está entre os grandes consumidores da indústria armamentista russa. “Índia, China e Venezuela são muito mais importantes para a Rússia nesse sentido”, diz.

Dívida

Do início da década de 1990 a 2005, as relações bilaterais russo-sírias ficaram estagnadas devido à dívida síria à extinta União Soviética, em torno dos US$ 13,4 bilhões. Enquanto o governo sírio pedia o cancelamento da dívida, Moscou exigia sua quitação e se recusava a fornecer armas e bens de consumo à Síria a crédito.

A questão da dívida foi solucionada em 2005, quando Moscou cancelou grande parte dela (73%), convertendo cerca de US$ 1,5 bilhão em investimentos diretos em projetos conjuntos. Em seguida, o intercâmbio comercial e a cooperação técnico-militar passaram a aumentar. 

A Síria pagou à Rússia cerca de US$ 2 bilhões para modernizar seu material bélico, que remontava à época soviética. Damasco, porém, não passou a obedecer a vontade de Moscou no âmbito do Oriente Médio. Além disso, a Rússia nem sempre esteve ao lado de Bashar al-Assad: ainda em 2005, sua delegação na ONU votou a favor da retirada das tropas sírias no Líbano. 

“A economia russa está focada na Europa e na Ásia, e não no Oriente Médio. O país tampouco tem interesses militares na Síria. O ponto de apoio logístico à Marinha russa em Tartus perdeu relevância com o fim da Guerra Fria”, afirma Sapronova.

Soberania nacional

De acordo com diplomatas russos, já no início da crise síria, o governo traçou uma “linha vermelha” e deixou bem claro ao presidente Assad que não iria colaborar com o regime caso este se visse implicado em crimes contra a humanidade.

Mas Moscou acredita que a queda de Assad levará o país ao caos, que poderá se expandir em seguida para todo o Oriente Médio. 

Exemplos de tais desdobramentos após a queda de ditadores seriam a guerra no Iraque entre sunitas e xiitas depois da intervenção americana e a queda de Saddam Hussein, e a instabilidade na Líbia após a morte de Muammar Gaddafi. O armamento líbio se espalhou por toda a região e acabou nas mãos de extremistas. 

“A Rússia não pode deixar passar despercebido o fato de a Síria estar se tornando palco para o treinamento de militantes islamistas que podem aparecer, no futuro, em diferentes regiões do mundo, inclusive no Cáucaso do Norte, Tchetchênia e Daguestão, para provocar um novo surto de terrorismo”, diz Sapronova.

Refúgio da Al Qaeda

O temor russo é de que o território sírio se torne um novo refúgio para a rede terrorista Al Qaeda. A ameaça, então, seria grande para os Estados Unidos, mas principalmente para a Rússia, devido a sua maior proximidade geográfica. 

“As experiências no Iraque, no Afeganistão e na Líbia não foram bem-sucedidas. Soluções militares para uma crise não implicam em transição”, diz o professor-associado da Faculdade de Política Mundial da Universidade Estatal de Moscou, Vassíli Kuznetsov.

“A Rússia defende a ideia de soberania nacional, procurando manter a estabilidade no Oriente Médio. Caso contrário, sua própria segurança ficará comprometida com a ameaça de expansão do islamismo radical em regiões no sul do país.”

Estrangeiros provenientes do Oriente Médio lutaram ativamente contra o Exército russo no Cáucaso do Norte e muitos deles estão ligados a atentados terroristas realizados em território russo. Como resultado, há hoje na Síria mais de 100 tchetchenos retribuindo o favor, lutando ao lado dos rebeldes.

Outra razão pela qual a Rússia não pode ficar à parte da crise síria é que há no país entre 30 mil a 100 mil (as estatísticas variam) cidadãos russos, tanto cônjuges de cidadãos sírios como filhos de casamentos mistos.

Para Moscou, queda de Assad levará a caos no país que se expandirá a todo Oriente Médio

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